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São Paulo, domingo, 25 de maio de 2003

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RIO

Nenhum outro conjunto de moradias precárias foi mais estudado por pesquisadores no século 20 do que o bairro carioca

Rocinha é vedete das favelas, mostra livro

MARCELO BERABA
DIRETOR DA SUCURSAL DO RIO

A Rocinha é imbatível. Nenhuma favela do Rio foi mais pesquisada ao longo do século 20 do que o bairro encravado nas encostas da floresta da Tijuca de frente para o mar de São Conrado.
De 1952, quando a estudante de Serviço Social da PUC (Pontifícia Universidade Católica) Isaura Lemgruber Portugal concluiu sua monografia sobre as condições de vida dos primeiros moradores, até 2000 foram produzidos 74 teses e livros sobre a maior favela do Rio (56 mil moradores em 2000).
Não é apenas a Rocinha o xodó de antropólogos, sociólogos, urbanistas e de uma legião de pesquisadores que invadiram as favelas da cidade esquadrinhando problemas, culturas e rotinas. Eles adoram os morros da zona sul e as comunidades próximas de seus centros de pesquisa.
O Rio tinha 513 favelas em 2000. O livro recém lançado "Pensando as Favelas do Rio de Janeiro -1906-2000", o mais completo levantamento bibliográfico sobre o assunto, mostra que foram produzidos ao longo do século passado 668 títulos. Eles têm como objetos de estudos 243 favelas, incluindo várias já removidas. Neste universo, a Rocinha e 21 favelas da zona sul da cidade, como o Dona Marta (27 estudos), Cantagalo (25), Vidigal (22), Pavão e Pavãozinho (16) e a extinta Praia do Pinto (21) protagonizaram quase um terço da produção do século.
A vedete da zona norte é o Jacarezinho, que inspirou 32 estudos. Depois vem a Maré (27) e as outras favelas que formam o complexo às margens das Linhas Vermelha e Amarela, próximas do campus da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) na ilha do Fundão e do centro de pesquisa de Manguinhos, como a Nova Holanda (13), a Baixa do Sapateiro (8) e o Parque União (8).

Bibliografia
As favelas têm pelo menos 105 anos (morro da Favella, depois Providência) de forte presença na paisagem e cultura do Rio. Desde 1906 são estudadas por engenheiros, sanitaristas, assistentes sociais, jornalistas e, a partir da década de 50, quando incorporadas à imagem da cidade, por urbanistas, sociólogos, antropólogos.
O conjunto desses estudos, os 668 títulos produzidos ao longo do século 20, é pouco conhecido, contém verdadeiros tesouros sobre a história da cidade e está agora disponível, em forma de bibliografia analítica, no livro "Pensando as Favelas...", das sociólogas Licia do Prado Valladares e Lidia Medeiros, do Urbandata-Brasil, centro de documentação de pesquisas urbanas da Universidade Candido Mendes. Ao longo de quase cinco anos elas levantaram todos os títulos disponíveis em 46 bibliotecas do Rio e fizeram buscas nas principais bibliotecas especializadas do país e do mundo.
O cruzamento das informações disponíveis sobre todos os textos listados ajuda a compreender a história da integração e dos conflitos das favelas com a cidade do asfalto. O acompanhamento cronológico da produção mostra que os assuntos vêm e vão como ondas. No início havia apenas o interesse pela questão habitacional.
As ciências sociais descobrem as favelas na década de 50. Elas são laboratórios de estudos sobre migração e marginalidade social.
Outro grande momento de estudos se deu no início dos anos 70, a partir das reações provocadas pelas políticas de remoções. Naquela mesma década, surgem os conjuntos habitacionais. Depois, estuda-se as políticas de intervenção dos órgãos públicos.
Na década de 90, as pesquisas se multiplicam, os assuntos se diversificam. Há um boom de estudos sobre o programa Favela-Bairro, da prefeitura. Os pesquisadores são enviados agora também pelas organizações não-governamentais e pelo poder público.
O tema mais recente documentado em "Pensando as Favelas..." é o do tráfico de drogas. O primeiro estudo sobre a ação do narcotráfico é a tese de doutorado da antropóloga Alba Zaluar, "A Máquina e a Revolta", de 1984, com estudo de campo na Cidade de Deus, matriz da produção cultural recente sobre o conjunto.
De 1984 a 2000 foram produzidos 43 estudos sobre a presença do tráfico nas favelas. A grande produção explode a partir de 1994, com quatro livros, incluindo "Cidade Partida", de Zuenir Ventura, que virou uma referência.
É o assunto do fim do século, que começou com a corrida para a ocupação dos morros após as demolições dos cortiços do centro da cidade e que assistiu à consolidação das favelas como solução popular para a ausência de políticas públicas. O Rio tinha, em 1950, 7% da sua população vivendo em favelas; em 2000, quase 20%.


PENSANDO AS FAVELAS DO RIO DE JANEIRO - 1906-2000. Autor: Licia do Prado Valladares e Lidia Medeiros. Editora: Faperj e Relume Dumará, 2003 (480 páginas). Preço sugerido: R$ 48

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