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São Paulo, domingo, 25 de maio de 2003

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Tráfico limitou circulação, diz socióloga

DA SUCURSAL DO RIO

Coordenadora-geral do Urbandata-Brasil, da Universidade Candido Mendes, e professora visitante na Universidade de Créteil, em Paris, a socióloga Licia do Prado Valladares é uma das pioneiras no estudo das favelas do Rio. Sua tese de doutorado, uma análise dos programas de remoção, é de 1974 e, editada em livro em 1978 ("Passa-se uma Casa"), virou clássico. (MARCELO BERABA)

Folha - O tráfico de drogas dominou a maioria das favelas do Rio. Como isso afetou o trabalho dos pesquisadores?
Licia do Prado Valladares -
Antigamente havia poucos pesquisadores e uma atitude mais favorável, porque ele era um personagem raro. E não havia ainda o controle do tráfico. Você circulava livremente pelas favelas.
Hoje a situação é muito mais delicada. O pesquisador precisa negociar sua entrada. Muita gente negocia com as ONGs [organizações não-governamentais], com moradores que já estão nas universidades, os doutores das favelas. Isso facilita. Várias agências dos governos têm tentáculos nas favelas, e você entra por aí. Mas não entra assim, de peito aberto.

Folha - Isso não afetará a qualidade da produção acadêmica?
Valladares -
Pode afetar. Mas você teria que conversar com as pessoas que estão começando a trabalhar em favela agora. Eu não tenho problema [na Rocinha] porque sou conhecida e vou por meio das pessoas que me conhecem há várias gerações. Mas tem certas áreas onde não vou.

Folha - Isso não ocorria antes?
Valladares -
Quando comecei a fazer trabalhos não tinha tráfico de drogas na favela, não era perigoso. Mas não é só na favela que há dificuldades. Dou o exemplo de uma colega socióloga: resolveu estudar os condomínios fechados da Barra da Tijuca e teve grandes dificuldades. As pessoas de classe média e alta desconfiavam e não queriam ser incomodadas.
As pessoas estão um pouco saturadas com os pesquisadores. E acho que tem muita gente que vai para a favela porque acha favela interessante, porque acha exótica. A minha conclusão é: deixem as favelas um pouco em paz. A quantidade de trabalho [668 estudos] mostra que há muito material sobre o qual se pode trabalhar. O momento é de reflexão.

Folha - Que áreas do Rio deveriam ser melhor estudadas?
Valladares -
O número de estudos sobre loteamentos clandestinos na periferia é muito pequeno. Não interessa aos pesquisadores porque é longe, feio, não fica em morro, não fica perto da universidade, é um calor horroroso, não dá ibope. E é um fenômeno antigo e importantíssimo porque toda a expansão da Baixada Fluminense ocorreu por loteamento irregular.

Folha - O que fazer com as favelas, que continuam a crescer?
Valladares -
A população não é boba, as pessoas são muito espertas, sabem agir. Vivemos num sistema onde cada um tem de se virar e cada um se vira como pode. Quem invade é porque vê naquilo a única solução possível. E quem aluga paga uma fortuna por uma moradia dentro de favela porque sabe que é a única maneira de se instalar no bairro. As pessoas encontram as soluções que podem. E têm de encontrar solução. A expansão das favelas é irreversível.

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