São Paulo, segunda, 25 de maio de 1998

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OPINIÃO
Levantando a poeira

ALEXANDER BERNDT
No próximo dia 7 de junho, 140 mil alunos em todo o país irão submeter-se ao provão. Quase metade deles é formada em administração e direito. Essa é a terceira vez em que o provão é realizado para esses dois cursos. A cada ano, adicionam-se a eles novas áreas.
O provão certamente levantou a poeira do ensino de terceiro grau. Poucos sabiam da existência dessa poeira, que, uma vez assentada, incomodava apenas os que a percebiam, e esses não eram muitos.
Só os estudiosos da área demonstravam um conhecimento abalizado sobre a baixa qualidade geral do ensino de terceiro grau. Agora, com a revelação dos resultados dos dois primeiros provões, o país todo sabe e se pergunta o que acontece com o ensino.
Não é de hoje a desconfiança de que algo não vai bem. As mazelas do corporativismo -tão presente nas escolas federais-, do credencialismo -o diploma pesando mais do que o conhecimento em muitas particulares- e do cartorialismo -saliente, por exemplo, na medicina e na arquitetura- têm contribuído para o nosso atraso perante outras nações.
Que futuro nos espera se só 1,5% da população vai além do segundo grau, sem entrar no questionamento da qualidade dos formandos? O provão pode parecer uma iniciativa intromissora. Mas um dos seus objetivos -diagnosticar os resultados do ensino de terceiro grau- está sendo atingido.
Em certo sentido, a criação do provão por parte do MEC é uma autocrítica. Se o sistema vigente de elaborados procedimentos de autorização, reconhecimento e recredenciamento dos cursos estivesse gerando o resultado desejado -bons profissionais-, não haveria a necessidade do provão.
Provavelmente, o excesso de controles não passa de maquiagem com a qual os cursos aprendem rapidamente a satisfazer os olhos do MEC. Com todas as suas limitações, o provão não deixa de ser um instrumento estimulador de tentativas de mudanças. Percebe-se que todos os cursos realizam esforços como reação às avaliações, quando não muito boas.
Um segundo objetivo do exame está em um bom começo. A sociedade, pela primeira vez, está sendo informada do estado da arte do ensino superior. O grande potencial de contribuição do provão reside na possibilidade de, efetivamente, sugerir alterações em aspectos relevantes dos cursos.
Um dos poucos indicadores de qualidade, na ótica restrita dos vestibulandos, era a relação candidato-vaga no vestibular. Só quando esse número caía em anos sucessivos é que o curso notava a queda na qualidade de seus alunos e podia tomar providências.
Hoje, com a nota de cada curso publicada nos jornais, estabeleceu-se uma competição em que candidatos ao vestibular têm uma informação a mais para a escolha da escola que pretendem cursar.
Outros objetivos estão sendo atingidos. Em uma universidade com vários cursos avaliados, a comparação dos resultados do provão cria excelentes momentos de reflexão. É a primeira vez que surge uma saudável competição dentro das próprias escolas.
O provão trouxe a transparência do ensino de terceiro grau para a sociedade. De um exame para outro, os aprimoramentos feitos pelo MEC são significativos.
É preciso, porém, não só identificar as mazelas, mas ajudar os cursos a realizar mudanças na direção adequada. Se todo o potencial do provão não for bem aproveitado, há risco de a poeira assentar no mesmo lugar.


Alexander Berndt, 58, doutor em administração pela Faculdade de Economia e Administração da USP (Universidade de São Paulo),é presidente da Angrad (Associação Nacional dos Cursos de Graduação em Administração).



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