São Paulo, segunda, 25 de maio de 1998 |
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice COTIDIANO IMAGINÁRIO A educação em pés descalços
MOACYR SCLIAR A aula já tinha começado quando André entrou. Duas coisas chamaram a atenção do professor: em primeiro lugar, o menino se atrasara, o que nunca acontecia. Além disso, estava de pés descalços. - O que houve com seus chinelos, André? O menino ficou vermelho, embaraçadíssimo. Finalmente, confessou que tinha usado os chinelos para quitar a mensalidade. E, agoniado, perguntou: - Eu sei que não posso assistir aulas descalço, eu sei que é contra o regulamento. O senhor quer que eu saia? O professor ficou um instante em silêncio. Depois, como se não tivesse ouvido a pergunta, dirigiu-se aos alunos: - Pessoal, acabo de mudar o assunto da aula. Nós íamos estudar geografia hoje: golfos, penínsulas, ilhas, essas coisas. Não vamos mais. Vamos estudar o corpo humano. Melhor, vamos estudar uma parte muito importante do corpo humano: os pés. Todo o mundo diz que nos sustentam. São os pés que nos levam de um lado para outro. Nós não seríamos o que somos, se não fossem os nossos pés. Por isso vamos dedicar esta aula a eles. Para começar, quero que todos fiquem descalços... Meia hora depois, o diretor entrou na sala. Viu a um canto um monte de sapatos, de tênis e de chinelos; e viu também que todos os alunos, descalços, examinavam com interesse os próprios pés. Não era uma cena habitual, mas ele não estranhou: sabia que, em certos casos, a educação precisa ser inovadora. O escritor Moacyr Scliar escreve nesta coluna, às segundas-feiras, um texto de ficção baseado em notícias publicadas no jornal Texto Anterior | Próximo Texto | Índice |
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