São Paulo, segunda, 25 de maio de 1998

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Só 2% dos salários são pagos a professores

FERNANDO ROSSETTI
enviado especial a Brasília

Apenas 2% do total de salários normalmente pagos aos 45 mil professores das 52 instituições federais de ensino superior serão liberados hoje -dia de pagamento.
O corte foi anunciado no início do mês pelo ministro da Educação, Paulo Renato Souza. Ele determinou que, onde houvesse greve, haveria retenção de salários.
Das 52 instituições, 13 apresentaram até terça-feira passada as declarações pedidas pelo MEC sobre quais setores (docente ou servidor) estavam em greve. Só elas receberão salários. Mas, mesmo nessas, há professores parados, que não terão pagamento.
O corte de salários é o fato mais inusitado de uma greve que conclui dois meses esta semana.
O próprio presidente da Andifes (a entidade que reúne reitores das universidades federais), José Ivonildo do Rêgo, diz que desconhece outro episódio de paralisação em que tenha ocorrido isso.
O ministro da Educação, Paulo Renato Souza, afirma que tinha que cortar os salários, já que existe um decreto (publicado por FHC em 1995) que determina a retenção do pagamento de servidores públicos federais em greve. Segundo ele, "à medida em que os professores voltarem à sala de aula, os salários serão liberados".
Nem o reitor, nem o ministro, nem a presidente da Andes (o sindicato de professores que lidera a paralisação) souberam prever, na sexta-feira passada, qual será a repercussão da medida sobre o movimento iniciado em 31 de março.
O impasse hoje é semelhante ao de então: os professores reivindicam reajuste salarial de 48%, tanto para os ativos como para os aposentados. O ministro diz que isso não é possível e vincula qualquer negociação ao fim da greve.
Mas ocorreram avanços de lado a lado. No início da greve, o MEC propunha como alternativa ao reajuste de 48% um sistema de bolsas para professores que desenvolvessem projetos de melhoria da graduação -o Programa de Incentivo à Docência (PID). O programa foi rejeitado pelo Congresso e, agora, Paulo Renato admite reajustar aposentados.
Os professores querem mais detalhes da nova proposta governamental, mas sua liderança não aceita suspender a greve sem isso.
Os reitores saíram na semana passada com uma proposta intermediária: os professores se comprometem a suspender a greve no dia 30 e, até essa data, o MEC negocia e paga os salários.
A reportagem da Folha ouviu as três principais lideranças envolvidas no impasse -com entrevistas iguais, mas feitas em momentos diferentes-, para montar um painel das principais questões que estão por trás do impasse.
Abaixo, trechos dessas entrevistas, agrupadas por pergunta.


O que está impedindo a superação do impasse?

Paulo Renato Souza - Há uma intransigência de parte da liderança do movimento em reconhecer que o ministério está disposto a um entendimento com os professores desde o começo.
Quando nós lançamos o Programa de Incentivo à Docência (PID), nós estávamos reconhecendo que precisávamos incentivar a graduação. Mas também estávamos reconhecendo que havia um problema salarial, especialmente entre os professores qualificados no início da carreira. Para eles, o PID era na verdade um reajuste de 48%.
Eu acho que o movimento está dividido, e a eleição da diretoria da Andes mostrou isso.

Maria Cristina de Morais - O MEC, antes da greve, apesar de todo o esforço do sindicato em buscar negociação, não possibilitou isso, não teve disposição política.
A questão agudizou-se -eram três anos sem reajuste- com a imposição da medida provisória do PID. Ele foi anunciado no meio do nosso congresso anual.
Terminado o congresso, em meados de fevereiro, foi feito um ofício ao ministro Paulo Renato Souza. Colocamos a gravidade do momento, que o nosso congresso tinha se posicionado contra o PID, e solicitamos audiência imediata.
O ministro respondeu a essa solicitação quase um mês depois. Só que nessa reunião não houve nada de concreto. Quando o ministro nos recebeu, colocamos a gravidade da situação, que o movimento poderia chegar à greve.
Agora, o ministro reafirma que só negocia se o movimento suspender a greve. Não dá para negociar sem greve porque não há nenhuma garantia para isso.

José Ivonildo do Rêgo - Nessa paralisação, o movimento já teve várias vitórias, como a retirada do PID. Acho que precisa ter um meio termo, para superar esse nó. Agora, precisaria de disposição do sindicato em construir, em aceitar uma proposta mínima.

Qual a melhor saída para a situação atual?

Maria Cristina de Morais - A saída é a mais simples e democrática possível. Já fizemos tudo ontem (na reunião de quinta-feira passada) para que o ministro, ao invés de impor uma saída da greve, apresentasse uma proposta.
O ministro diz que o MEC tem uma proposta para a questão salarial em estado final de definição. No entanto, mesmo com todo o nosso esforço para que ele apresentasse a proposta, pelo menos as diretrizes, ele disse que só faz isso com o fim da greve. Aí eu pergunto, onde está a intransigência?
Hoje a gente poderia estar dialogando com a nossa base. Mas o ministro inviabilizou isso. Nós reafirmamos com tranquilidade que o impasse é de responsabilidade do Ministério da Educação.

José Ivonildo do Rêgo - A nossa proposta é que, primeiro, o pagamento seja efetuado. Segundo, que haja um indicativo de saída de greve no dia 30. Terceiro, que, até então, seja negociada uma proposta de reajuste.
Ou seja, a gente propõe que seja feito um indicativo de saída de greve pelo movimento e que imediatamente seja construída uma proposta. Para a gente, essa é uma proposta intermediária.

Paulo Renato Souza - Dado que não houve um impasse na negociação que gerasse a greve, minha proposta é retornar a 13 de março. Ou seja, vamos suspender a paralisação, e, no mesmo momento, o ministério autorizará o pagamento de salários -porque os salários estão apenas retidos, não cortados. No mesmo momento, instalamos a comissão de negociação.
A única forma de a universidade sair desta crise com ganho é sair organizadamente. O pior dos mundos -para a universidade e para o governo- será uma saída da greve de forma desordenada, motivada pela pressão do ministério. Não queremos isso. A saída da greve tem que ser negociada.
Eu acho que há fatos novos -a própria rejeição do PID pelo Congresso é um fato novo. A bolsa teria a vantagem de colocar o recurso nas mãos do professor que está realmente precisando de reajuste. Não seria extensivo aos inativos.
Com a rejeição do PID, não vale a pena insistirmos no sistema de bolsas. Estamos pensando alternativas de reajustes ou de aumento na remuneração que estejam dentro dos princípios que anunciamos desde o começo, e que, aliás, já foram adotados pelos reitores.
Os princípios são: valorizar a titulação, valorizar os professores ativos e valorizar o trabalho em sala de aula -mais do que os inativos, que também terão reajuste.

Qual será a repercussão do corte de salários?

José Ivonildo do Rêgo - Eu ainda não tenho uma dimensão exata, até porque me parece que esta é a primeira greve em que há corte de salários.
Os professores farão assembléias na segunda e terça-feira e há uma série de elementos novos para essa avaliação: há a proposta da Andifes e há a própria disposição do ministro de discutir todas as questões -como os inativos.

Paulo Renato Souza - É uma situação indesejável, é uma situação, eu diria, que não é boa para ninguém, uma situação que causa desgaste para todo mundo, para o ministério, para o governo e para o movimento.
Eu espero realmente que, não por um problema de pressão, haja finalmente o bom senso de voltarmos à mesa de negociação.

Maria Cristina de Morais - No documento que o ministro entregou ontem (quinta-feira), ele disse que a medida de retenção salarial se deu porque o movimento demorou a dar uma resposta positiva. Só que ofício determinando o corte foi anterior à nossa reunião.
Nas assembléias que foram realizadas até ontem, todos estão indignadas, questionando esse corte de ponto, mas colocando que não se sai da greve por causa disso.

A greve é um indicador de uma crise mais ampla?


Paulo Renato Souza - O modelo de financiamento da universidade pública brasileira está falido, não existe em lugar nenhum do mundo. Todos são funcionários públicos, todos são estáveis e há isonomia salarial -só que os salários são diferentes porque há decisões judiciais descentralizadas que modificam os salários independente da vontade do administrador central. Insistimos já há três anos na mudança do modelo de financiamento centralizado para um modelo descentralizado, de autonomia da universidade.

Maria Cristina de Morais - A greve teve o grande papel de desnudar a crise no ensino superior público. A população já estava acostumada a ouvir que a educação brasileira estava melhorando e que isso era de responsabilidade do ministro. A greve mostra que esse governo vem com uma política de desmonte da universidade, com orçamentos cada vez menores, insuficientes para manter o sistema. O objetivo dessa política é redirecionar o papel da universidade, não para a produção científica autônoma, que construa a soberania, mas sim para a dependência de tecnologias importadas.

José Ivonildo do Rêgo - A questão salarial se coloca como a questão número um, porque ela está inviabilizando o próprio funcionamento das instituições e comprometendo o futuro.



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