|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Só 2% dos salários são pagos a professores
FERNANDO ROSSETTI
enviado especial a Brasília
Apenas 2% do total de salários
normalmente pagos aos 45 mil
professores das 52 instituições federais de ensino superior serão liberados hoje -dia de pagamento.
O corte foi anunciado no início
do mês pelo ministro da Educação, Paulo Renato Souza. Ele determinou que, onde houvesse greve, haveria retenção de salários.
Das 52 instituições, 13 apresentaram até terça-feira passada as
declarações pedidas pelo MEC sobre quais setores (docente ou servidor) estavam em greve. Só elas
receberão salários. Mas, mesmo
nessas, há professores parados,
que não terão pagamento.
O corte de salários é o fato mais
inusitado de uma greve que conclui dois meses esta semana.
O próprio presidente da Andifes
(a entidade que reúne reitores das
universidades federais), José Ivonildo do Rêgo, diz que desconhece
outro episódio de paralisação em
que tenha ocorrido isso.
O ministro da Educação, Paulo
Renato Souza, afirma que tinha
que cortar os salários, já que existe
um decreto (publicado por FHC
em 1995) que determina a retenção do pagamento de servidores
públicos federais em greve. Segundo ele, "à medida em que os professores voltarem à sala de aula, os
salários serão liberados".
Nem o reitor, nem o ministro,
nem a presidente da Andes (o sindicato de professores que lidera a
paralisação) souberam prever, na
sexta-feira passada, qual será a repercussão da medida sobre o movimento iniciado em 31 de março.
O impasse hoje é semelhante ao
de então: os professores reivindicam reajuste salarial de 48%, tanto
para os ativos como para os aposentados. O ministro diz que isso
não é possível e vincula qualquer
negociação ao fim da greve.
Mas ocorreram avanços de lado
a lado. No início da greve, o MEC
propunha como alternativa ao
reajuste de 48% um sistema de
bolsas para professores que desenvolvessem projetos de melhoria da
graduação -o Programa de Incentivo à Docência (PID). O programa foi rejeitado pelo Congresso e, agora, Paulo Renato admite
reajustar aposentados.
Os professores querem mais detalhes da nova proposta governamental, mas sua liderança não
aceita suspender a greve sem isso.
Os reitores saíram na semana
passada com uma proposta intermediária: os professores se comprometem a suspender a greve no
dia 30 e, até essa data, o MEC negocia e paga os salários.
A reportagem da Folha ouviu as
três principais lideranças envolvidas no impasse -com entrevistas
iguais, mas feitas em momentos
diferentes-, para montar um painel das principais questões que estão por trás do impasse.
Abaixo, trechos dessas entrevistas, agrupadas por pergunta.
O que está impedindo a superação do impasse?
Paulo Renato Souza - Há uma
intransigência de parte da liderança do movimento em reconhecer
que o ministério está disposto a
um entendimento com os professores desde o começo.
Quando nós lançamos o Programa de Incentivo à Docência (PID),
nós estávamos reconhecendo que
precisávamos incentivar a graduação. Mas também estávamos reconhecendo que havia um problema
salarial, especialmente entre os
professores qualificados no início
da carreira. Para eles, o PID era na
verdade um reajuste de 48%.
Eu acho que o movimento está
dividido, e a eleição da diretoria da
Andes mostrou isso.
Maria Cristina de Morais - O
MEC, antes da greve, apesar de todo o esforço do sindicato em buscar negociação, não possibilitou
isso, não teve disposição política.
A questão agudizou-se -eram
três anos sem reajuste- com a
imposição da medida provisória
do PID. Ele foi anunciado no meio
do nosso congresso anual.
Terminado o congresso, em
meados de fevereiro, foi feito um
ofício ao ministro Paulo Renato
Souza. Colocamos a gravidade do
momento, que o nosso congresso
tinha se posicionado contra o PID,
e solicitamos audiência imediata.
O ministro respondeu a essa solicitação quase um mês depois. Só
que nessa reunião não houve nada
de concreto. Quando o ministro
nos recebeu, colocamos a gravidade da situação, que o movimento
poderia chegar à greve.
Agora, o ministro reafirma que
só negocia se o movimento suspender a greve. Não dá para negociar sem greve porque não há nenhuma garantia para isso.
José Ivonildo do Rêgo - Nessa
paralisação, o movimento já teve
várias vitórias, como a retirada do
PID. Acho que precisa ter um
meio termo, para superar esse nó.
Agora, precisaria de disposição do
sindicato em construir, em aceitar
uma proposta mínima.
Qual a melhor saída para a situação atual?
Maria Cristina de Morais - A
saída é a mais simples e democrática possível. Já fizemos tudo ontem (na reunião de quinta-feira
passada) para que o ministro, ao
invés de impor uma saída da greve, apresentasse uma proposta.
O ministro diz que o MEC tem
uma proposta para a questão salarial em estado final de definição.
No entanto, mesmo com todo o
nosso esforço para que ele apresentasse a proposta, pelo menos as
diretrizes, ele disse que só faz isso
com o fim da greve. Aí eu pergunto, onde está a intransigência?
Hoje a gente poderia estar dialogando com a nossa base. Mas o
ministro inviabilizou isso. Nós
reafirmamos com tranquilidade
que o impasse é de responsabilidade do Ministério da Educação.
José Ivonildo do Rêgo - A nossa
proposta é que, primeiro, o pagamento seja efetuado. Segundo,
que haja um indicativo de saída de
greve no dia 30. Terceiro, que, até
então, seja negociada uma proposta de reajuste.
Ou seja, a gente propõe que seja
feito um indicativo de saída de
greve pelo movimento e que imediatamente seja construída uma
proposta. Para a gente, essa é uma
proposta intermediária.
Paulo Renato Souza - Dado que
não houve um impasse na negociação que gerasse a greve, minha
proposta é retornar a 13 de março.
Ou seja, vamos suspender a paralisação, e, no mesmo momento, o
ministério autorizará o pagamento de salários -porque os salários
estão apenas retidos, não cortados. No mesmo momento, instalamos a comissão de negociação.
A única forma de a universidade
sair desta crise com ganho é sair
organizadamente. O pior dos
mundos -para a universidade e
para o governo- será uma saída
da greve de forma desordenada,
motivada pela pressão do ministério. Não queremos isso. A saída da
greve tem que ser negociada.
Eu acho que há fatos novos -a
própria rejeição do PID pelo Congresso é um fato novo. A bolsa teria a vantagem de colocar o recurso nas mãos do professor que está
realmente precisando de reajuste.
Não seria extensivo aos inativos.
Com a rejeição do PID, não vale
a pena insistirmos no sistema de
bolsas. Estamos pensando alternativas de reajustes ou de aumento
na remuneração que estejam dentro dos princípios que anunciamos desde o começo, e que, aliás,
já foram adotados pelos reitores.
Os princípios são: valorizar a titulação, valorizar os professores
ativos e valorizar o trabalho em sala de aula -mais do que os inativos, que também terão reajuste.
Qual será a repercussão do corte de salários?
José Ivonildo do Rêgo - Eu
ainda não tenho uma dimensão
exata, até porque me parece que
esta é a primeira greve em que há
corte de salários.
Os professores farão assembléias
na segunda e terça-feira e há uma
série de elementos novos para essa
avaliação: há a proposta da Andifes e há a própria disposição do
ministro de discutir todas as questões -como os inativos.
Paulo Renato Souza - É uma situação indesejável, é uma situação, eu diria, que não é boa para
ninguém, uma situação que causa
desgaste para todo mundo, para o
ministério, para o governo e para
o movimento.
Eu espero realmente que, não
por um problema de pressão, haja
finalmente o bom senso de voltarmos à mesa de negociação.
Maria Cristina de Morais - No
documento que o ministro entregou ontem (quinta-feira), ele disse
que a medida de retenção salarial
se deu porque o movimento demorou a dar uma resposta positiva. Só que ofício determinando o
corte foi anterior à nossa reunião.
Nas assembléias que foram realizadas até ontem, todos estão indignadas, questionando esse corte
de ponto, mas colocando que não
se sai da greve por causa disso.
A greve é um indicador de uma crise mais ampla?
Paulo Renato Souza - O modelo de financiamento da universidade pública brasileira está falido, não existe em lugar nenhum
do mundo. Todos são funcionários públicos, todos são estáveis e
há isonomia salarial -só que os
salários são diferentes porque há
decisões judiciais descentralizadas
que modificam os salários independente da vontade do administrador central. Insistimos já há três
anos na mudança do modelo de financiamento centralizado para
um modelo descentralizado, de
autonomia da universidade.
Maria Cristina de Morais - A
greve teve o grande papel de desnudar a crise no ensino superior
público. A população já estava
acostumada a ouvir que a educação brasileira estava melhorando e
que isso era de responsabilidade
do ministro. A greve mostra que
esse governo vem com uma política de desmonte da universidade,
com orçamentos cada vez menores, insuficientes para manter o
sistema. O objetivo dessa política é
redirecionar o papel da universidade, não para a produção científica autônoma, que construa a soberania, mas sim para a dependência de tecnologias importadas.
José Ivonildo do Rêgo - A questão salarial se coloca como a questão número um, porque ela está
inviabilizando o próprio funcionamento das instituições e comprometendo o futuro.
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
|