São Paulo, segunda, 25 de maio de 1998

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SAÚDE
Auditoria aponta descontrole na rede pública e reprova 23 Estados

Técnico aponta internações "fantasmas", superfaturamento, serviços desnecessários e desvio de materiais

MARIO VITOR SANTOS
enviado especial a Brasília

Uma auditoria dos procedimentos administrativos do SUS (Sistema Único de Saúde) feita pelo Ministério da Saúde chegou a uma conclusão que impressiona pela objetividade. De acordo com o documento "Ações Desenvolvidas - 1997", a partir do exame de 68 quesitos diversos, existe "um total descontrole dos serviços prestados pela rede pública de saúde".
Das 27 unidades da Federação avaliadas quanto à gestão da assistência hospitalar e ambulatorial ao final de 1997, 24 receberam nota inferior à média (8,0). Apenas 3 secretarias estaduais de Saúde foram consideradas aprovadas: Paraná, Minas Gerais e Mato Grosso.
O estudo levou em conta vários itens. Por exemplo, se as secretarias efetuam a programação de gastos apenas com base na produção de anos anteriores, sem levar em conta as necessidades atuais da população, ou se a autorização de internação emergencial é feita em um prazo de 72 horas.
O Estado com a pior colocação foi Roraima, com 2,5 de média. O mais bem colocado foi o Paraná, com 8,4. São Paulo obteve 4,9, abaixo de Minas (aprovado com 8,1) e do Rio (reprovado, com 6,2). O outro Estado aprovado foi Mato Grosso, com 8,1. No ano passado, Maranhão e Amapá chegaram a sofrer uma espécie de intervenção do ministério, tal era a desorganização de seus sistemas.
O diretor-geral do Datasus, a empresa que processa os dados do SUS, Jorge Bandarra, contesta o quadro descrito pela auditoria.
"Realizamos em média 1,1 milhão de internações por mês. É óbvio que existem fraudes e descontrole, mas o índice é baixo, menor do que em qualquer outra área do governo. Em 1 milhão de procedimentos, encontramos no máximo 10 anormalidades, índice que ocorre em qualquer estrutura."
Para Gilson Carvalho, secretário de Assistência à Saúde no governo Itamar Franco (92-94), as autoridades ainda hoje não têm controle sobre as perdas advindas de fraudes ou de desvios diversos.

Fraudes

Entre eles, Carvalho cita as guias de internação "fantasmas", o superfaturamento de serviços, a encomenda de exames e a prescrição de medicamentos desnecessários, os desvios de próteses, o uso de serviços do SUS por clientes de planos privados de saúde e a cobrança de serviços "por fora": "Não conheço nenhum estudo que as tenha quantificado, mas sabe-se que essas perdas existem".
Qualquer avaliação da saúde, contudo, deve levar em consideração que o país passa por um processo de descentralização e municipalização dos serviços, deflagrado pela Constituição de 1988.
Antes da municipalização, o sistema era gerido unicamente por Brasília. O ministério recebia relatórios de 1,5 bilhão de procedimentos ambulatoriais, processava a papelada e realizava o pagamento, sem condições de detectar fraudes, salvo por amostragem.
Até agora, a descentralização vem se concentrando no chamado Piso de Atenção Básica, pelo qual se destinam diretamente aos municípios habilitados cerca de R$ 10 anuais por habitante para a realização de procedimentos como consultas e exames simples.
Mais de 4.000 municípios estão habilitados a gerenciar parte dos serviços, recebendo repasses que totalizam R$ 2,3 bilhões (apenas 12% do Orçamento da Saúde).
A descentralização interrompeu o pagamento por serviços feitos, grande fonte de fraudes, embora ainda mantenha no antigo sistema as verbas mais relevantes (as de internações e procedimentos complexos). Só 150 municípios foram autorizados a fazer a gestão plena, em que as prefeituras se responsabilizam também pelas internações e procedimentos mais complexos.

Controle municipal

O recém-empossado secretário de Assistência à Saúde do ministério, Renilson Rehem de Souza, defende a tese de que a municipalização implica controle social do dinheiro gasto e mais eficiência do sistema como um todo.
Mas o ministério não dispõe de dados comparativos entre a gestão municipalizada e a anterior para comprovar essa tese: "Na maioria dos municípios, a gestão vai melhorar", afirma Souza.
Seu colega Bandarra, da direção do SUS, declara que quando a gestão é passada aos municípios, mesmo os pequenos indícios de irregularidades desaparecem.
Mas, se há algo em que o ministério mostra avanço, é na transparência. As páginas do Datasus na Internet mostram dados sobre internações, procedimentos realizados e pagamentos feitos em todo o país. Permitem cortes por procedimentos médicos e localidade.
"Nós só conseguimos ter melhor controle de determinadas áreas a partir do final do ano passado", informa o secretário-executivo do ministério, Barjas Negri. Até então, diz ele, mesmo casas de saúde fechadas podiam continuar apresentando suas faturas ao governo por serviços que nunca prestaram. E o governo pagava.



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