São Paulo, segunda, 25 de maio de 1998

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ENTREVISTA
Cardiologista defende uma Lei Rouanet para a área da saúde

LUCIA MARTINS
da Reportagem Local

O médico Bernardino Tranchesi, 43, livre-docente de cardiologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, defende a criação de uma lei de incentivo nos moldes da Lei Rouanet.
"As Santas Casas costumavam receber muitas doações. Hoje, esse costume desapareceu. Acho que, se houver incentivo, isso voltará a acontecer", observa.
Além de escassos, os recursos também deveriam ser administrados de outra forma. Segundo ele, deveria haver mais investimento em prevenção. "Mais recursos para a saúde do que para a doença. Essa é a fórmula."
Para Tranchesi, o grande problema da saúde no país é que nunca existiu uma proposta profunda: "As propostas mudam de acordo com os governos". O médico está otimista em relação à gestão de José Serra no Ministério da Saúde: "Essa pode ser uma boa solução. Vários bons hospitais no mundo são administrados por administradores e não por médicos".

Folha - Na sua opinião, o que está errado com a saúde no país? Trata-se de uma questão de modelo, de recursos ou de gestão?
Tranchesi - Acho que é uma mistura de tudo. Os recursos são escassos. Não há dúvida de que existe um déficit imenso na saúde. Quem vai pagar a conta? Quando comparamos o orçamento para a saúde dos EUA com o do Brasil, isso fica claro. Além disso, o dinheiro é gasto da forma errada.
Acho que o problema hoje é uma soma equilibrada de falta de dinheiro e de problemas administrativos. É preciso gastar mais com a saúde do que com a doença. A prevenção é a chave para a economia de recursos. Num país como este, ter uma epidemia de dengue é uma vergonha. Nunca houve uma proposta profunda para a saúde. Elas mudam de acordo com o governo. A proposta atual é a mais interessante porque coloca um administrador (José Serra) para tocar a saúde. Essa pode ser uma boa solução. Vários bons hospitais no mundo são administrados por administradores e não por médicos.
Folha - O sistema proposto na Constituição -o atendimento universal convivendo com a iniciativa privada- é viável para o país?
Tranchesi - O problema é que, como está, o SUS (Sistema Único de Saúde) não existe. Como se explica um sistema de saúde que paga R$ 2 por uma consulta e R$ 5 por uma diária? Alguém mais vai ter de colocar dinheiro porque com esse dinheiro não dá. Acho impossível. Pode ser que eu não saiba fazer conta, mas não sei como se sustenta um paciente com essa quantia. Esse sistema foi feito para inibir fraudes. Para impedir cobranças abusivas, fecharam-se pacotes com preços mínimos. É uma contradição. A saída é colocar dinheiro no sistema e moralizar de uma forma definitiva.
Folha - O que o sr. acha do SUS?
Tranchesi - Do jeito que está, não funciona. Há um problema sério porque um contingente enorme da classe média usa a rede pública e quem é beneficiado é o plano de saúde. Temos de estudar uma forma de fazer um controle rigoroso das internações. Com um controle rigoroso, os hospitais públicos deveriam ter direito de atender pacientes de convênios e serem ressarcidos pelos convênios, em vez de receber do SUS.
Folha - Como o sr. vê o papel de modelos como as fundações, as organizações sociais e o PAS?
Tranchesi
- Qualquer tentativa de melhorar o SUS é válida. Mas cada modelo alternativo tem seus acertos e alguns erros. A utilização de fundações é uma boa idéia, desde que sejam muito bem controladas. Podemos estimular as empresas a investir mais. Poderíamos criar uma espécie de Lei Rouanet para a saúde. Faltam recursos, e o governo não vai poder arcar com eles. Temos de encontrá-los em outro lugar. Se houvesse a possibilidade de aplicar recursos dedutíveis, teríamos uma grande ajuda das empresas privadas. As Santas Casas costumavam receber muitas doações. Hoje, esse costume desapareceu. Se houver incentivo, isso pode voltar a acontecer.



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