São Paulo, domingo, 25 de junho de 2000


Envie esta notícia por e-mail para
assinantes do UOL ou da Folha
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

SEGURANÇA
Apenas 6,4% do curso para soldado é destinado à prática de atirar; coronel nega deficiência na formação de policiais
PMs têm poucas aulas de negociação e tiro

ANTONIO CARLOS DE FARIA
DA SUCURSAL DO RIO

Das 4.875 horas gastas em três anos no curso de formação de oficiais da Polícia Militar do Rio, 30 horas, no último semestre, são destinadas ao aprendizado de técnicas para negociação em conflitos, 0,61% do total.
Essas 30 horas são as únicas obrigatórias durante toda a carreira do oficial. A especialização em negociar conflitos, se houver, só ocorrerá por iniciativa voluntária, em cursos complementares.
No curso de formação de um soldado da PM, que dura quatro meses, o conhecimento de armas de fogo e prática de tiro são ensinados em 60 horas, ou 6,4% do total do aprendizado. Menos do que as 76 horas gastas com o treinamento para a formatura (24 horas), solenidades diversas (16 horas) e feriados (36 horas).
No Bope (Batalhão de Operações Especiais), que deveria ser a elite da PM carioca, os policiais disputam com outras cinco unidades o direito a usar o estande para treinamento de tiros e podem ficar até um ano sem atirar.
A incompetência para negociar e atirar foram os fatores do fracasso da ação comandada pelo Bope que acabou provocando a morte da refém Geísa Firmo Gonçalves, no último dia 12, após o sequestro de um ônibus da linha 174, no Jardim Botânico (zona sul).
O sequestrador Sandro do Nascimento, após mais de quatro horas de conversas com três oficiais diferentes, reagiu ao ataque de um soldado, matando a refém. Concluindo a sucessão de erros, ele foi asfixiado até a morte por PMs que alegam legítima defesa.
Desde o fim dessa operação desastrada, a PM sofre questionamentos sobre sua eficiência e são sugeridos intercâmbios para aperfeiçoar seu trabalho, principalmente com unidades policiais estrangeiras que sejam consideradas exemplos de eficiência.
Para Livio Sansone, doutor em antropologia pela Universidade de Amsterdã, que coordena um estudo da Universidade Candido Mendes sobre as relações raciais entre os PMs cariocas, a Polícia Militar tem condições de encontrar caminhos próprios para se aperfeiçoar, desde que tenha apoio do governo.
Ele não vê sentido em comparar o desempenho da polícia local com as de países desenvolvidos. "Não há como comparar a PM com a polícia de Nova York, por exemplo. Primeiro porque lá os policiais são integrantes da classe média, e aqui muitos moram em favelas. E se os americanos falam em tolerância zero para os crimes é porque também têm impunidade próxima de zero em nível de Justiça", afirma.
Na polícia de Nova York, a formação básica de um policial é feita em 40 semanas, com 90 horas de aprendizado de técnicas de tiro. Quatorze semanas maior do que o curso no Rio, com 30 horas a mais de prática de tiro.
Depois do curso inicial da polícia de Nova York, a eficiência de tiro é mantida por meio de constantes exercícios, com avaliação semestral de desempenho.
O diretor de ensino da PM, coronel Geraldo Luiz de França, 56, que acaba de ser promovido para a diretoria de Planejamento e Instrução da Secretaria de Segurança Pública, rebate as críticas de que há deficiências na formação dos policiais cariocas.
"Além da formação teórica, há grande qualidade no aprendizado prático, incluindo eficiência em técnica de tiro", diz.
O mesmo curso de formação de oficiais que tem 30 horas para técnicas de negociação, reserva quase 700 horas para matérias que versam sobre Justiça.
Segundo o coronel França, o rigor e a equivalência curricular dessas disciplinas capacita o oficial recém-formado a concluir um curso regular de direito em apenas dois anos e muitos acabam por optar pelas carreiras de advogado e no Ministério Público. Essa evasão indesejada seria, para o coronel, mais uma prova da qualidade do ensino policial.

Sobrando vaga
O último concurso para admissão de soldados na Polícia Militar do Rio atraiu mais de 8.000 candidatos, no final do ano passado. Desses, só foram aprovados cerca de 1.400.
A pequena aprovação, mesmo com o fato de mais de 10 mil vagas estarem abertas no Estado, deu-se porque os candidatos não tiveram bom desempenho nos testes de português e matemática e também sofreram reprovação em exames físicos e de saúde.
As condições básicas exigidas no concurso eram o segundo grau completo, mínimo de 1,68 m para homens ou 1,64 m para mulheres e idade entre 17 e 29 anos.
A baixa qualificação dos candidatos foi considerada pela PM como reflexo do salário pouco atraente da categoria (cerca de R$ 400 para um soldado em início de carreira e pouco mais de R$ 4.000 para um coronel, após 30 anos de trabalho).
Segundo a corporação, outros fatores que também desestimulam candidatos mais qualificados são o alto risco de morte e o fato de o policial não ter uma jornada de trabalho fixa.
O grande atrativo é a estabilidade, numa carreira onde o principal fator de progressão entre as patentes é a antiguidade na corporação.
Um soldado é promovido a cabo após dez anos de trabalho e em mais dez chegará a sargento. Nesse processo, só será obrigado a frequentar cursos de aperfeiçoamento depois que já tiver conseguido a nova patente.
Mesmo nos casos em que o soldado se esforce em se aperfeiçoar, isso não acelera o processo de ascensão profissional.
Porém, o aperfeiçoamento é incentivado na medida em que a conclusão de cursos significa gratificações que se incorporam aos salários e possibilidades de trabalho em áreas da polícia que sejam mais atraentes.


Texto Anterior: Policiais têm aulas de ética e cidadania
Próximo Texto: Violência já é 2ª preocupação do brasileiro
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.