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SEGURANÇA
Apenas 6,4% do curso para soldado é destinado à prática de atirar; coronel nega deficiência na formação de policiais
PMs têm poucas aulas de negociação e tiro
ANTONIO CARLOS DE FARIA
DA SUCURSAL DO RIO
Das 4.875 horas gastas em três
anos no curso de formação de oficiais da Polícia Militar do Rio, 30
horas, no último semestre, são
destinadas ao aprendizado de técnicas para negociação em conflitos, 0,61% do total.
Essas 30 horas são as únicas
obrigatórias durante toda a carreira do oficial. A especialização
em negociar conflitos, se houver,
só ocorrerá por iniciativa voluntária, em cursos complementares.
No curso de formação de um
soldado da PM, que dura quatro
meses, o conhecimento de armas
de fogo e prática de tiro são ensinados em 60 horas, ou 6,4% do total do aprendizado. Menos do que
as 76 horas gastas com o treinamento para a formatura (24 horas), solenidades diversas (16 horas) e feriados (36 horas).
No Bope (Batalhão de Operações Especiais), que deveria ser a
elite da PM carioca, os policiais
disputam com outras cinco unidades o direito a usar o estande
para treinamento de tiros e podem ficar até um ano sem atirar.
A incompetência para negociar
e atirar foram os fatores do fracasso da ação comandada pelo Bope
que acabou provocando a morte
da refém Geísa Firmo Gonçalves,
no último dia 12, após o sequestro
de um ônibus da linha 174, no Jardim Botânico (zona sul).
O sequestrador Sandro do Nascimento, após mais de quatro horas de conversas com três oficiais
diferentes, reagiu ao ataque de
um soldado, matando a refém.
Concluindo a sucessão de erros,
ele foi asfixiado até a morte por
PMs que alegam legítima defesa.
Desde o fim dessa operação desastrada, a PM sofre questionamentos sobre sua eficiência e são
sugeridos intercâmbios para
aperfeiçoar seu trabalho, principalmente com unidades policiais
estrangeiras que sejam consideradas exemplos de eficiência.
Para Livio Sansone, doutor em
antropologia pela Universidade
de Amsterdã, que coordena um
estudo da Universidade Candido
Mendes sobre as relações raciais
entre os PMs cariocas, a Polícia
Militar tem condições de encontrar caminhos próprios para se
aperfeiçoar, desde que tenha
apoio do governo.
Ele não vê sentido em comparar
o desempenho da polícia local
com as de países desenvolvidos.
"Não há como comparar a PM
com a polícia de Nova York, por
exemplo. Primeiro porque lá os
policiais são integrantes da classe
média, e aqui muitos moram em
favelas. E se os americanos falam
em tolerância zero para os crimes
é porque também têm impunidade próxima de zero em nível de
Justiça", afirma.
Na polícia de Nova York, a formação básica de um policial é feita em 40 semanas, com 90 horas
de aprendizado de técnicas de tiro. Quatorze semanas maior do
que o curso no Rio, com 30 horas
a mais de prática de tiro.
Depois do curso inicial da polícia de Nova York, a eficiência de
tiro é mantida por meio de constantes exercícios, com avaliação
semestral de desempenho.
O diretor de ensino da PM, coronel Geraldo Luiz de França, 56,
que acaba de ser promovido para
a diretoria de Planejamento e Instrução da Secretaria de Segurança
Pública, rebate as críticas de que
há deficiências na formação dos
policiais cariocas.
"Além da formação teórica, há
grande qualidade no aprendizado
prático, incluindo eficiência em
técnica de tiro", diz.
O mesmo curso de formação de
oficiais que tem 30 horas para técnicas de negociação, reserva quase 700 horas para matérias que
versam sobre Justiça.
Segundo o coronel França, o rigor e a equivalência curricular
dessas disciplinas capacita o oficial recém-formado a concluir
um curso regular de direito em
apenas dois anos e muitos acabam por optar pelas carreiras de
advogado e no Ministério Público. Essa evasão indesejada seria,
para o coronel, mais uma prova
da qualidade do ensino policial.
Sobrando vaga
O último concurso para admissão de soldados na Polícia Militar
do Rio atraiu mais de 8.000 candidatos, no final do ano passado.
Desses, só foram aprovados cerca
de 1.400.
A pequena aprovação, mesmo
com o fato de mais de 10 mil vagas
estarem abertas no Estado, deu-se
porque os candidatos não tiveram
bom desempenho nos testes de
português e matemática e também sofreram reprovação em
exames físicos e de saúde.
As condições básicas exigidas
no concurso eram o segundo grau
completo, mínimo de 1,68 m para
homens ou 1,64 m para mulheres
e idade entre 17 e 29 anos.
A baixa qualificação dos candidatos foi considerada pela PM como reflexo do salário pouco
atraente da categoria (cerca de R$
400 para um soldado em início de
carreira e pouco mais de R$ 4.000
para um coronel, após 30 anos de
trabalho).
Segundo a corporação, outros
fatores que também desestimulam candidatos mais qualificados
são o alto risco de morte e o fato
de o policial não ter uma jornada
de trabalho fixa.
O grande atrativo é a estabilidade, numa carreira onde o principal fator de progressão entre as
patentes é a antiguidade na corporação.
Um soldado é promovido a cabo após dez anos de trabalho e em
mais dez chegará a sargento. Nesse processo, só será obrigado a
frequentar cursos de aperfeiçoamento depois que já tiver conseguido a nova patente.
Mesmo nos casos em que o soldado se esforce em se aperfeiçoar,
isso não acelera o processo de ascensão profissional.
Porém, o aperfeiçoamento é incentivado na medida em que a
conclusão de cursos significa gratificações que se incorporam aos
salários e possibilidades de trabalho em áreas da polícia que sejam
mais atraentes.
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