São Paulo, domingo, 25 de junho de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

"Queixar-se de produtos ou serviços vale a pena"

Especialistas defendem que consumidor busque soluções quando insatisfeito

Das reclamações levadas ao Procon-SP, 70% são resolvidas; as outras 30% vão para a Justiça, e muitas viram ações coletivas

HELOÍSA HELVÉCIA
DA REVISTA DA FOLHA

Do lado de lá da linha, uma voz depois da outra repete mantras ensinados em treinamento: "Entendo, senhor", "Correto, senhor", "Vou estar transferindo, senhor". Do lado de cá, o sujeito explica, mais uma vez, o problema que quer ver resolvido. Esse teledrama, você sabe como acaba: o lado vulnerável, aquele que já perdeu alguma coisa, vai perder também a calma, talvez xingar e desligar, vencido. Foi-se uma batalha, mas a guerra pára aí?
Sim, para a maioria de consumidores, que, mesmo submetida a vida toda a testes de paciência, não gasta tempo para ir até o fim atrás de seus direitos. Aguarda ouvindo musiquinha; digita do um ao nove e volta ao menu sem que nenhuma opção contenha o esclarecimento buscado; tenta se queixar de um serviço ou produto, espera e deixa para lá, porque afinal lutar contra grandes interesses econômicos não dá em nada.
Mas dá. Das reclamações levadas ao Procon-SP, 70% são resolvidas em alguma das etapas do atendimento, que inclui de carta à empresa, fixando prazo para a reparação do dano, a processo administrativo. Os casos que não chegam a acordo até essa fase, cerca de 30%, vão para a Justiça. Muitos viram ações coletivas, encaminhadas ao Ministério Público.
A vitória vem, mas demora. "Quando o consumidor não tem a resposta imediata para sua questão individual, engrossa um coro contra algo que afeta a todos", diz Selma do Amaral, da diretoria de atendimento do Procon.
Quem se lembra daqueles serviços telefônicos de 0900, sabe do que ela fala. Em 15 anos de vigência, o Código de Defesa do Consumidor ajudou a enterrar muitas práticas comerciais predadoras.
Só que outras selvagerias aparecem. Como o marketing invasivo. Agonizante nos EUA, aqui ele ainda assalta seu celular, para estar te "convidando a estar trocando" de plano, de aparelho, de operadora. "Há um esgotamento dessa abordagem. A tendência é as pessoas se organizarem, pressionando por mecanismos que regulem isso", aposta o professor Hélio Silva, doutor em comunicação e semiótica pela PUC-SP.
O primeiro desafio, no caso brasileiro, ainda é o da informação. O Código do Consumidor anabolizou a parte frágil dessas relações de troca, mas uma parcela de atingidos por abusos ainda desiste de lutar no meio do caminho -"Simplesmente por desconhecer os benefícios que essa lei pode trazer no seu dia-a-dia", diz o professor e advogado Athur Rollo, especializado em direitos difusos e coletivos.
"Os Juizados Especiais estão abarrotados; processos que deveriam terminar em um mês levam dois anos", diz Rollo. "O mercado está cheio de arbitrariedades freqüentes, e, se você não reclamar, a tendência é piorar", afirma, listando campeãs da insatisfação, como empresas de telefonia, faculdades e instituições financeiras.
Essas últimas acabam de sofrer uma derrota. No começo deste mês, o STF (Supremo Tribunal Federal) julgou improcedente a ação direta de inconstitucionalidade que pretendia livrar os bancos da obediência ao Código do Consumidor. Com isso, permanece assegurado o direito do cidadão prejudicado por instituição financeira de reclamar no Procon ou de entrar na Justiça com base nessa lei.
Quer dizer: não há dúvida de que clientes de banco são consumidores. Todo mundo é: do dono do banco à pessoa sem renda nenhuma, que no mínimo consome serviços essenciais. A decisão do STF fortalece a bíblia dos consumidores e deve ajudar a dar ganho de causa àqueles que reclamam contra bancos por causa de tarifas indevidas, propaganda enganosa, aquele trivial de sempre.
"No Brasil ainda é preciso brigar pelo básico", diz Marilena Lazzarini, coordenadora institucional do Idec (Instituto de Defesa do Consumidor). Segundo ela, que participou da fundação do Procon, a busca do direito nessa esfera nunca foi fácil, mas fica cada vez mais interessante: "Quem tem a chance de se exercer como consumidor leva a experiência para outros degraus, na escada da cidadania. A luta individual é pedagógica, a pessoa nunca mais vai ser a mesma depois de uma vitória, ganha a percepção do seu poder".

Reféns da banda larga
Com apenas cinco anos, a Abusar (Associação Brasileira dos Usuários de Acesso Rápido) luta estritamente pelos direitos dos reféns da banda larga, "uma elite tratada como lixo", segundo o presidente, Horácio Belfort, 56. "As empresas do setor não respeitam o consumidor, o suporte é péssimo. Para eles, o defeito é sempre do seu computador."
A associação, com 2.600 membros, conseguiu liminar contra a companhia Telefônica, liberando os usuários do Speedy antigo da obrigatoriedade de contratar provedor. Agora, aguarda a sentença definitiva da ação coletiva. "Só queremos que a legislação brasileira seja cumprida. Mas nossa Justiça é lenta. Se fosse nos EUA, onde a Justiça é rápida, essas atitudes abusivas não seriam fomentadas. As empresas sabem que estão erradas, mas sabem também que podem ganhar fábulas a cada mês que passa, até que a sociedade se organize juridicamente."


Texto Anterior: Mortes
Próximo Texto: Especialista americano vê avanço para consumidores brasileiros
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.