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"Queixar-se de produtos ou serviços vale a pena"
Especialistas defendem que consumidor busque soluções quando insatisfeito
Das reclamações levadas
ao Procon-SP, 70% são resolvidas; as outras 30% vão para a Justiça, e muitas viram ações coletivas
HELOÍSA HELVÉCIA
DA REVISTA DA FOLHA
Do lado de lá da linha, uma
voz depois da outra repete
mantras ensinados em treinamento: "Entendo, senhor",
"Correto, senhor", "Vou estar
transferindo, senhor". Do lado
de cá, o sujeito explica, mais
uma vez, o problema que quer
ver resolvido. Esse teledrama,
você sabe como acaba: o lado
vulnerável, aquele que já perdeu alguma coisa, vai perder
também a calma, talvez xingar
e desligar, vencido. Foi-se uma
batalha, mas a guerra pára aí?
Sim, para a maioria de consumidores, que, mesmo submetida a vida toda a testes de paciência, não gasta tempo para ir
até o fim atrás de seus direitos.
Aguarda ouvindo musiquinha;
digita do um ao nove e volta ao
menu sem que nenhuma opção
contenha o esclarecimento
buscado; tenta se queixar de
um serviço ou produto, espera
e deixa para lá, porque afinal lutar contra grandes interesses
econômicos não dá em nada.
Mas dá. Das reclamações levadas ao Procon-SP, 70% são
resolvidas em alguma das etapas do atendimento, que inclui
de carta à empresa, fixando
prazo para a reparação do dano,
a processo administrativo. Os
casos que não chegam a acordo
até essa fase, cerca de 30%, vão
para a Justiça. Muitos viram
ações coletivas, encaminhadas
ao Ministério Público.
A vitória vem, mas demora.
"Quando o consumidor não
tem a resposta imediata para
sua questão individual, engrossa um coro contra algo que afeta a todos", diz Selma do Amaral, da diretoria de atendimento do Procon.
Quem se lembra daqueles
serviços telefônicos de 0900,
sabe do que ela fala. Em 15 anos
de vigência, o Código de Defesa
do Consumidor ajudou a enterrar muitas práticas comerciais
predadoras.
Só que outras selvagerias
aparecem. Como o marketing
invasivo. Agonizante nos EUA,
aqui ele ainda assalta seu celular, para estar te "convidando a
estar trocando" de plano, de
aparelho, de operadora. "Há
um esgotamento dessa abordagem. A tendência é as pessoas
se organizarem, pressionando
por mecanismos que regulem
isso", aposta o professor Hélio
Silva, doutor em comunicação
e semiótica pela PUC-SP.
O primeiro desafio, no caso
brasileiro, ainda é o da informação. O Código do Consumidor anabolizou a parte frágil
dessas relações de troca, mas
uma parcela de atingidos por
abusos ainda desiste de lutar no
meio do caminho -"Simplesmente por desconhecer os benefícios que essa lei pode trazer
no seu dia-a-dia", diz o professor e advogado Athur Rollo, especializado em direitos difusos
e coletivos.
"Os Juizados Especiais estão
abarrotados; processos que deveriam terminar em um mês levam dois anos", diz Rollo. "O
mercado está cheio de arbitrariedades freqüentes, e, se você
não reclamar, a tendência é
piorar", afirma, listando campeãs da insatisfação, como empresas de telefonia, faculdades
e instituições financeiras.
Essas últimas acabam de sofrer uma derrota. No começo
deste mês, o STF (Supremo
Tribunal Federal) julgou improcedente a ação direta de inconstitucionalidade que pretendia livrar os bancos da obediência ao Código do Consumidor. Com isso, permanece assegurado o direito do cidadão
prejudicado por instituição financeira de reclamar no Procon ou de entrar na Justiça com
base nessa lei.
Quer dizer: não há dúvida de
que clientes de banco são consumidores. Todo mundo é: do
dono do banco à pessoa sem
renda nenhuma, que no mínimo consome serviços essenciais. A decisão do STF fortalece a bíblia dos consumidores e
deve ajudar a dar ganho de causa àqueles que reclamam contra bancos por causa de tarifas
indevidas, propaganda enganosa, aquele trivial de sempre.
"No Brasil ainda é preciso
brigar pelo básico", diz Marilena Lazzarini, coordenadora
institucional do Idec (Instituto
de Defesa do Consumidor). Segundo ela, que participou da
fundação do Procon, a busca do
direito nessa esfera nunca foi
fácil, mas fica cada vez mais interessante: "Quem tem a chance de se exercer como consumidor leva a experiência para
outros degraus, na escada da cidadania. A luta individual é pedagógica, a pessoa nunca mais
vai ser a mesma depois de uma
vitória, ganha a percepção do
seu poder".
Reféns da banda larga
Com apenas cinco anos, a
Abusar (Associação Brasileira
dos Usuários de Acesso Rápido) luta estritamente pelos direitos dos reféns da banda larga, "uma elite tratada como lixo", segundo o presidente, Horácio Belfort, 56. "As empresas
do setor não respeitam o consumidor, o suporte é péssimo.
Para eles, o defeito é sempre do
seu computador."
A associação, com 2.600
membros, conseguiu liminar
contra a companhia Telefônica,
liberando os usuários do
Speedy antigo da obrigatoriedade de contratar provedor.
Agora, aguarda a sentença definitiva da ação coletiva. "Só queremos que a legislação brasileira seja cumprida. Mas nossa
Justiça é lenta. Se fosse nos
EUA, onde a Justiça é rápida,
essas atitudes abusivas não seriam fomentadas. As empresas
sabem que estão erradas, mas
sabem também que podem ganhar fábulas a cada mês que
passa, até que a sociedade se organize juridicamente."
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