São Paulo, domingo, 25 de julho de 2004

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INFÂNCIA

Estudo feito no Rio mostra que apenas 3,7% das crianças que atuam nas zonas sul e norte não estão matriculadas

Acesso à escola não impede trabalho na rua

ANTÔNIO GOIS
DA SUCURSAL DO RIO

Um levantamento feito pela Secretaria Municipal de Assistência Social do Rio de Janeiro com meninos que trabalham nas ruas da cidade desmonta a tese de que a falta de acesso à escola é um dos fatores que levam as crianças para a rua. A pesquisa mostrou que apenas 3,7% das crianças que trabalham nas ruas das zonas sul e norte da capital fluminense estão fora da escola.
Os dados foram tirados do cadastro de projetos que têm como objetivo tirar crianças do trabalho em sinais de trânsito da cidade e desenvolver programas de geração de renda para as famílias.
Para fazer o levantamento, os técnicos confirmaram com as escolas a matrícula de cada criança. Foi possível, com isso, saber, escola por escola, quantas crianças estavam realmente matriculadas.
De 380 crianças das zonas sul e norte que trabalham nas ruas, a secretaria confirmou que 82,6% estão matriculadas em alguma escola. Em 13,7% dos casos, ainda não foi possível checar se elas estudam ou não.
O levantamento mostra também que a atividade de malabarista é a mais comum (32% das crianças), seguida da de pedinte (8%) e da de vendedor (8%).
A secretaria fez o cadastro também de 121 crianças que trabalham no centro do Rio. Não há dados de freqüência escolar, mas o levantamento mostra que apenas nove (7,4% do total) delas são analfabetas ou sem escolaridade.

Número reduzido
Por se tratar de uma população extremamente diversificada (há crianças que dormem nas ruas e outras que raramente aparecem nos sinais), a secretaria não possui um levantamento do total de meninos que trabalham nas ruas da cidade. O secretário Marcelo Garcia diz, no entanto, que o número é bem menor do que o que se especulava na década de 80, quando algumas entidades chegaram a falar em milhões de crianças nas ruas no Brasil.
"Se isso fosse verdade, era melhor ter fechado o país. No Rio de Janeiro, nunca passamos de 1.000 crianças na rua. Hoje, conseguimos universalizar a educação a tal ponto que quase todas têm alguma referência na escola. Elas vão para as ruas em busca de renda. O desafio agora é universalizar a assistência social para que não tenham que ir para a rua em busca de dinheiro", afirma o secretário de Assistência Social da Prefeitura do Rio.
Para o psicólogo Cláudio de Oliveira, conselheiro do Conselho Tutelar de Vila Isabel (órgão que atua na defesa dos direitos de crianças e adolescentes em nove bairros da zona norte do Rio), a busca das crianças por renda nas ruas tem motivos variados: "Há desde casos de exploração infantil até garotos que estão nas ruas porque querem ter dinheiro para comprar um tênis de marca que eles viram na TV".
O fato de a maioria dessas crianças estar na escola mostra que a estratégia de intervenção do poder público tem que ser muito mais eficiente e complexa para atacar o problema. Não basta só dar abrigo (a maioria mora com os pais), comida (há merenda nas escolas) ou uma atenção qualquer de um adulto (que elas já recebem no colégio).
Para Antônio de Souza, coordenador da organização não-governamental (ONG) ExCola -que desde 1989 trabalha com meninos de rua-, o principal desafio para o poder público é integrar as ações de diferentes secretarias: "Há pouca integração das secretarias de saúde, de assistência social e de educação".
As secretarias de Educação e de Assistência Social da prefeitura têm tentado trocar informações sobre esses meninos. Na zona sul, por exemplo, as coordenadorias das duas pastas responsáveis pela região estão cruzando os dados de reprovação por freqüência nas escolas, num trabalho conjunto que deve ser estendido também para a zona norte.
As coordenadorias, em um trabalho com o Ministério Público, já chamaram cerca 100 pais de alunos para cobrar explicações e propor soluções. Eles assinaram um termo de responsabilidade que informa que, segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente, é dever dos pais mantê-los na escola. O estatuto prevê punições como multa, advertência, perda da guarda e, em casos extremos, suspensão do pátrio poder.

Falta de diálogo
A intenção de integrar as ações, no entanto, esbarra às vezes na falta de diálogo entre a direção da escola e os assistentes sociais.
Na Escola Municipal Lúcia Miguel Pereira, em São Conrado (zona sul do Rio), a diretora, Regina Izidro, afirma que, lá, não há integração entre o trabalho das secretarias. A escola atende, em sua maioria, crianças da Rocinha e, segundo a direção, há três casos de meninos que trabalham nas ruas que estão sendo atendidos pela Secretaria Municipal de Assistência Social.
"Essa interação, infelizmente, não existe. Nós sabemos que os meninos estão sendo atendidos pela assistente social, mas não sabemos o resultado desse atendimento. Temos uma equipe pequena aqui e não adianta procurar atendimento em outras secretarias porque o encaminhamento é muito difícil", diz Izidro.
A assessora-adjunta da 2ª Coordenadoria Regional de Ensino do Rio, responsável por bairros das zonas sul e norte, Valéria Boselli, admite que há dificuldades para integrar diferentes redes de atendimento à criança, mas diz que as secretarias têm buscado soluções para esse problema.
"A gente sabe que essa integração não é feita de um dia para o outro, mas, na zona sul, já fizemos um trabalho bem-sucedido com alunos faltosos que será expandido para a zona norte", diz Boselli.


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