São Paulo, sexta-feira, 25 de julho de 2008

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BARBARA GANCIA

A inspiração como paliativo


"Se ele for eleito, eventualmente, todos iremos odiar o democrata Barack Obama também"


DEVE SER CACOETE da idade, mas já fui bem mais otimista do que sou hoje. Na juventude, tinha certeza de que o bom senso acabaria prevalecendo, que a tão sonhada liberdade, o fim do preconceito e a aproximação de povos inimigos estavam ali na esquina. Era só uma questão de tempo. Minha geração tinha certeza de que "nunca mais" o mundo veria um Holocausto ou atrocidades como as cometidas pelo exército do Khmer Rouge no Camboja. Mas, menos de 50 anos depois do fim da Segunda Guerra Mundial, o extermínio de muçulmanos na Bósnia trouxe a limpeza étnica de volta à Europa, o massacre de Ruanda provou que as grandes potências só se comovem com as "questões morais" que afetam o seu bolso e o ataque ao World Trade Center, em 2001, deixou claro que não será nesta encarnação que meus contemporâneos e eu iremos testemunhar a paz no Oriente Médio. A despeito do bem-estar promovido pelo livre comércio e da democratização da informação trazida pela internet, pais ainda são capazes de defenestrar filhos, a teoria da evolução das espécies de Darwin ainda é contestada e livros são queimados por fanáticos religiosos. Sei que os exemplos parecem o samba do crioulo doido, mas é essa a dimensão do meu desalento. Ontem, o candidato à Presidência do Estados Unidos, Barack Obama, discursou para dezenas de milhares de pessoas em Berlim, tendo o Tiergarten, jardim símbolo do poder de destruição da guerra, como cenário. O discurso parece ter sido feito sob medida para emocionar a nossa geração (se Obama for eleito, será a primeira vez que verei um presidente norte-americano alguns anos mais moço do que eu), que tantas esperanças nutria e que acabou tendo de se contentar com paliativos tíbios, como o surgimento do nefando politicamente correto. Quem tem idade para lembrar onde estava quando Kennedy foi assassinado deve ter entendido a opção do candidato em passar ao largo do famoso discurso em que Kennedy se proclamou berlinense ("Ich bin ein Berliner"). No mundo globalizado, ser berlinense é apenas ar quente. Em vez de correr o risco de ser tachado de arrogante ou oportunista, Obama preferiu citar Darfur, Paquistão, Irã, Chade e Afeganistão para se dizer cidadão do mundo. De quebra, fez referência a Reagan ao falar na "derrubada de muros". Ao final de sua fala, a TV mostrou rostos eletrizados, gente com lágrimas rolando bochecha abaixo, o delírio total. Impossível ficar impassível diante de um orador tão habilidoso. Desconfio que o colunista do jornal londrino "The Times", David Aaronovitch, esteja coberto de razão. Nesta semana, ele comentou que, "se ele for eleito, eventualmente, todos iremos odiar Barack Obama também", pois o que faz da América "um poder tão indispensável é precisamente o que torna o antiamericanismo inevitável". Mas, por enquanto, para uma geração que esperava tanto da democracia norte-americana e acabou testemunhando os abusos em Guantánamo e Abu Ghraib, ver um candidato à Casa Branca levantar a questão da liderança moral da América no mundo já é algum tipo de prêmio de consolação.

barbara@uol.com.br



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