São Paulo, domingo, 25 de agosto de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

SAÚDE

Dados da Opas mostram que 48% das infecções são "domésticas", causadas por falta de cuidado na cozinha

Doenças por comida ocorrem em casa

CLÁUDIA COLLUCCI
DA REPORTAGEM LOCAL

Você guarda ovos na porta da geladeira? Deixa a comida do almoço sobre o fogão para esquentá-la à noite? Coloca a carne para descongelar sobre a pia? Esquece-se de lavar as mãos cada vez que vai ao banheiro ou quando manipula alimentos diferentes?
Se respondeu sim para pelo menos duas dessas perguntas, comece a se preocupar. Levantamento da Opas (Organização Pan-Americana de Saúde), feito no período de 1993 a 2001, mostra que 48% dos surtos de doenças transmitidas por alimentos (DTAs) no Brasil ocorreram dentro de casa.
As doenças de origem alimentar, causadas por bactérias patogênicas, podem provocar de um simples mal-estar, náuseas, dor de cabeça ou diarréia até uma paralisação respiratória e cardíaca, podendo levar à morte.
Segundo especialistas em nutrição, na maioria dos casos, essa contaminação é provocada por maus hábitos na manipulação dos alimentos. Um estudo realizado pelo FDA (agência reguladora de alimentos e medicamentos nos EUA) em 1997 mostrou que as pessoas, ao prepararem alimentos em suas próprias casas, negligenciaram as práticas seguras de manipulação em 99% das vezes.
Essas práticas incluíram lavagem das mãos, técnicas de preparação e armazenamento dos alimentos em temperaturas apropriadas e controle da contaminação cruzada (quando um alimento contamina o outro).
No Brasil, não há estudo semelhante, mas os especialistas dizem que a situação é muito parecida. "As pessoas sempre relacionam a intoxicação alimentar à coxinha ou ao presunto da padaria. Nunca imaginam que o perigo esteja justamente na sua cozinha", afirma Maria Teresa Destro, 43, professora do Departamento de Alimentos e Nutrição Experimental da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP-SP.
Essa lição a dona-de-casa Maria Custódio, 73, de Salvador (BA), aprendeu. Ela ficou dez dias de cama e perdeu cinco quilos devido a uma infecção intestinal causada por feijão sem refrigeração.
"Dona Nita", como é chamada, retirou o feijão da geladeira e o deixou exposto a uma temperatura ambiente de mais de 30C por cinco horas. Depois, voltou a esquentá-lo. Resultado: uma cólica intensa no intestino e diarréia, seguidas de dois desmaios. "Foi a pior dor que já senti", diz.
Embora não se lembre do agente causador da infecção, provavelmente dona Nita foi infectada pela bactéria Clostridium perfringens, que se multiplica quando encontra temperatura acima de 10C. No entanto é a bactéria Salmonella a campeã invicta em número de surtos (leia texto lado).
Os números absolutos de casos de contaminação por alimentos no Brasil ainda estão longe de representar a realidade. Segundo Maria Teresa, uma das razões é a falta de notificação compulsória das DTAs. Ou seja, nem sempre que alguém procura um serviço de saúde com infecção alimentar a doença é notificada e investigada para saber, por exemplo, qual foi o agente causador.
A confusão de números fica clara na comparação dos dados da Opas e da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Segundo a primeira, 17.265 brasileiros foram vítimas das DTAs no período de 1993 a 2001. Já a Anvisa informa que 20.542 pessoas se intoxicaram com alimentos de 1999 a 2001.
Para o microbiologista Roberto Martins Figueiredo, é essencial que as pessoas adotem cuidados higiênicos nas residências, especialmente na cozinha. "Cozinhar ao lado do lixo, por exemplo, é a coisa mais maluca", afirma, referindo-se às lixeiras que muitas pessoas mantêm sobre a pia.
Figueiredo lançou na semana passada um livro chamado "As Armadilhas de uma Cozinha", em que relata os cuidados que se deve ter com os alimentos.
Alguns podem até parecer exagerados, como desinfetar a esponja e a tábua de carne com solução clorada e, depois de envolvê-los em papel-toalha, secá-los no microondas. Essa prática reduziria a contaminação.
Para Maria Teresa, as dicas são válidas, mas difíceis de serem praticadas no dia-a-dia. Ela diz que, se ao menos os utensílios forem lavados com água e sabão e mantidos secos, já se reduz o risco.


Texto Anterior: Outro lado: Situação difícil é equivalente à da população rural
Próximo Texto: Ovo tem bactéria mais frequente nas infecções
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.