São Paulo, domingo, 25 de agosto de 2002

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GILBERTO DIMENSTEIN

O marketing dos burros

Na sabatina da Folha, José Serra assegurou, quase num tom de promessa, que sua campanha no horário eleitoral seria baseada numa agenda positiva: mostraria um plano para o Brasil. Não partiria para o ataque pessoal contra nenhum candidato (e citou especificamente Ciro Gomes). A promessa resistiu bravamente durante quatro dias -até começar o horário eleitoral.
O principal fato da campanha, na semana passada, foi o ataque pessoal contra Ciro Gomes, apresentado na propaganda de Serra como um desequilibrado emocional. Exibiram pela televisão frases destemperadas do ex-governador cearense e imagens em que chama um ouvinte de "burro". A Justiça interveio e proibiu, na quinta-feira, a veiculação daquelas imagens.
Já poderemos ter algum indício da eficácia de tal ofensiva daqui a dois dias, quando serão divulgadas as pesquisas de intenção de voto referentes aos presidenciáveis. Pode-se dizer agora que a tática revela que os tucanos estão no limiar do desespero: mais importante do que apresentar um projeto de país é, neste momento, destruir Ciro Gomes, mirando não suas idéias, mas suas características psicológicas.
Incomodado com a pancadaria, Ciro Gomes devolveu no mesmo tom, ao chamar Serra de "o ministro da dengue" e de "grampeador de telefones" -dois assuntos que estão engatilhados para entrar no ar.
É ilusão acreditar que o horário eleitoral gratuito seja um espaço de informação. É antes um espaço de manipulação. Aposta-se que o eleitor tenha algum grau de burrice ou de desinformação. Esse é o princípio básico, irretorquível, que está por trás do marketing das eleições.
Não se fazem apelos ao raciocínio, não se demonstra a viabilidade de programas. O apelo é para a emoção. Prova disso é Lula ter aparecido, de novo, chorando na tela, transformando em recurso eleitoral passagens dolorosas de sua vida privada.
É por isso que, nesse período, valem menos os acadêmicos, acostumados a elaborar e a vender idéias, do que os publicitários, que vendem qualquer coisa -de cigarro, cerveja ou automóvel a candidato.
Falar das manipulações e bobagens eleitorais, igualando todos os candidatos, é um caminho tão fácil quanto enganoso. Nunca vi uma eleição em que as idéias e a biografia dos candidatos fossem tão escancaradas por rádio, TV e jornal. Alguns, mais rigorosos, podem até argumentar -e com certa dose de razão- que o debate não é profundo e que os candidatos continuam a prometer mudanças sem dizer de onde vão tirar os recursos para empreendê-las. Essa distância entre a viabilidade e a ilusão apareceu retratada em todos os cantos e nos mais diferentes meios de comunicação.
Há pelo menos duas explicações óbvias para essa transparência: a imprensa está mais ativa e a democracia está mais madura. Ainda estão frescas na memória dos jornalistas as falhas dos meios de comunicação -a Folha foi uma das raras exceções- na campanha de 1989, quando Collor venceu com a auréola de caçador de corruptos.
A mudança do perfil de escolaridade do Brasil -nunca tanta gente foi para a escola- provocou uma explosão do ensino médio e um veloz crescimento do número de matrículas no ensino superior. Isso significa mais cidadãos atentos e em busca de conhecimento.
Essa mudança já é visível na plataforma dos candidatos. Todos, sem exceção, apresentam planos para melhorar o acesso dos mais pobres à universidade, seja por meio de cotas, seja pela melhoria do ensino médio, seja pelo patrocínio dos cursinhos pré-vestibulares.
Nesta eleição, fala-se mais do acesso à faculdade do que do acesso à terra, num movimento que indica as novas estruturas da sociedade brasileira.
Até porque, entre os mais pobres, é crescente a convicção de que a obtenção de bons empregos e bons salários está condicionada à frequência a boas faculdades.
Daí que os candidatos, por mais que façam do horário gratuito uma asneira mercadológica, não vão desfazer um fato: do ponto de vista da difusão de idéias, com todas as fragilidades, é a melhor eleição que já vi.
P.S. - O PT acenou em seu programa de educação, lançado na semana passada, com a possibilidade de acabar com o provão. Com todas as ressalvas (é, de fato, apenas um elemento de avaliação), o teste ajudou a dar um choque no ensino superior, obrigando muitas fábricas de diploma a pensar mais em qualidade. Acabar com o provão é um gesto de burrice ou de demagogia barata. Só se compara em termos de irresponsabilidade a Paulo Maluf querer restabelecer a cultura da repetência, acabando com a progressão continuada.
E-mail - gdimen@uol.com.br


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