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OPINIÃO
Cidadania de emergência
RUI TAVARES MALUF
Na cidade de São Paulo, como
em outras metrópoles, constituiu-se um tipo de cidadania de
emergência, que só intercede em
assuntos públicos municipais para
tentar bloquear quase-decisões ou
rever decisões que afetem interesses e conveniências pessoais.
Mas, quando ela age, é capaz de
atrair a atenção de toda a cidade
pelas grandes manifestações nas
vias públicas, impedindo o trânsito de veículos e pedestres. E essa
participação se dá com baixíssima
informação dos participantes sobre o próprio assunto que a mobiliza e sem compreensão sobre as
demais questões da cidade.
Essa cidadania se divide em pelo
menos dois grandes grupos: os
funcionários municipais, com
grande capacidade de pressão sobre o Legislativo, e os que não têm
vínculos empregatícios com a municipalidade. Neste, muito mais
heterogêneo, há duas subdivisões
bem visíveis. De um lado, setores
cuja atividade de sobrevivência
depende muito de leis municipais
(na maioria, compostos por pessoas de baixa renda); de outro, um
grupo que só estabelece ligações
em itens de qualidade de vida mais
sensíveis às camadas médias e altas, como meio ambiente.
Superado o fator mobilizador, a
organização reflui ou desaparece.
A experiência vivida pouco ou nada contribui para que seus integrantes desenvolvam uma postura
um pouco mais atenta sobre a cidade, procurando enxergar seus
problemas pelo ângulo público.
Isso é inevitável? Será que a democracia local nas metrópoles não
consegue ativar movimentos propositivos e com visão mais ampla
sobre os destinos da cidade? Embora essa situação esteja imbricada num aspecto cultural, a imprensa e o poder público podem
contribuir muito para alterá-la.
A imprensa pode melhorar as
características de seu noticiário,
aumentando a cobertura sobre o
processo decisório municipal e o
Legislativo em especial, investindo mais em treinamento especializado de sua mão-de-obra. O Executivo e (principalmente) o Legislativo podem informar corretamente a população, desenvolvendo e divulgando regularmente indicadores sobre serviços públicos.
Também seria importante que
os atuais conselhos municipais,
temáticos e ligados às secretarias
específicas do Executivo, se articulassem num conselho maior,
com menor presença governamental e participação da Câmara
Municipal. Esse conselho deve
discutir e deliberar sobre os assuntos gerais da cidade, com participação majoritária de movimentos
e entidades da sociedade civil.
A constituição da cidadania não
pode ser outorgada pelos poderes
locais nem pela mídia. Mas, certamente, seu desenvolvimento pode
ser facilitado por eles.
Rui Tavares Maluf, 39, é mestre em ciências
políticas pela Unicamp e editor do boletim "Processo & Decisão"
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