São Paulo, sexta, 25 de setembro de 1998

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OPINIÃO

Cidadania de emergência

RUI TAVARES MALUF

Na cidade de São Paulo, como em outras metrópoles, constituiu-se um tipo de cidadania de emergência, que só intercede em assuntos públicos municipais para tentar bloquear quase-decisões ou rever decisões que afetem interesses e conveniências pessoais.
Mas, quando ela age, é capaz de atrair a atenção de toda a cidade pelas grandes manifestações nas vias públicas, impedindo o trânsito de veículos e pedestres. E essa participação se dá com baixíssima informação dos participantes sobre o próprio assunto que a mobiliza e sem compreensão sobre as demais questões da cidade.
Essa cidadania se divide em pelo menos dois grandes grupos: os funcionários municipais, com grande capacidade de pressão sobre o Legislativo, e os que não têm vínculos empregatícios com a municipalidade. Neste, muito mais heterogêneo, há duas subdivisões bem visíveis. De um lado, setores cuja atividade de sobrevivência depende muito de leis municipais (na maioria, compostos por pessoas de baixa renda); de outro, um grupo que só estabelece ligações em itens de qualidade de vida mais sensíveis às camadas médias e altas, como meio ambiente.
Superado o fator mobilizador, a organização reflui ou desaparece. A experiência vivida pouco ou nada contribui para que seus integrantes desenvolvam uma postura um pouco mais atenta sobre a cidade, procurando enxergar seus problemas pelo ângulo público.
Isso é inevitável? Será que a democracia local nas metrópoles não consegue ativar movimentos propositivos e com visão mais ampla sobre os destinos da cidade? Embora essa situação esteja imbricada num aspecto cultural, a imprensa e o poder público podem contribuir muito para alterá-la.
A imprensa pode melhorar as características de seu noticiário, aumentando a cobertura sobre o processo decisório municipal e o Legislativo em especial, investindo mais em treinamento especializado de sua mão-de-obra. O Executivo e (principalmente) o Legislativo podem informar corretamente a população, desenvolvendo e divulgando regularmente indicadores sobre serviços públicos.
Também seria importante que os atuais conselhos municipais, temáticos e ligados às secretarias específicas do Executivo, se articulassem num conselho maior, com menor presença governamental e participação da Câmara Municipal. Esse conselho deve discutir e deliberar sobre os assuntos gerais da cidade, com participação majoritária de movimentos e entidades da sociedade civil.
A constituição da cidadania não pode ser outorgada pelos poderes locais nem pela mídia. Mas, certamente, seu desenvolvimento pode ser facilitado por eles.


Rui Tavares Maluf, 39, é mestre em ciências políticas pela Unicamp e editor do boletim "Processo & Decisão"



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