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SAÚDE MENTAL
Hospital psiquiátrico de SP, o maior do país, será investigado
ONG quer apuração de mortes no Juqueri
AURELIANO BIANCARELLI
da Reportagem Local
Uma investigação oficial poderá
desenterrar a história dos cerca de
50 mil mortos do Juqueri, o maior
hospital psiquiátrico do país. Um
suposto cemitério clandestino esconderia parte desses corpos.
O hospital, que fica em Franco
da Rocha, na Grande São Paulo,
está comemorando cem anos e já
abrigou oficialmente 124.340 pacientes.
Dois livros com o nomes de
12.500 pacientes mortos entre 1965
e 1989 foram entregues ontem à
noite a um representante da Procuradoria Geral da Justiça. Desses
mortos, 7.600 foram enterrados
dentro do próprio hospital.
A ONG Associação SOS Saúde
Mental e várias entidades ligadas à
saúde e à psiquiatria querem que o
Ministério Público investigue o
que aconteceu com os mortos do
Juqueri. A atual direção da instituição diz que há 5.201 sepulturas
no cemitério oficial do hospital,
mas não sabe dizer quantos corpos podem estar enterrados ali.
A diretora Maria Tereza Gianerini Freire, que assumiu o Juqueri
em 95, diz que o hospital e os documentos sempre estiveram abertos. "Também estamos interessados em descobrir esse passado."
A história dos livros dos mortos
do Juqueri, de capa preta e verde, é
tão cheia de mistérios quanto a
existência do cemitério. Os livros
teriam sido entregues anonimamente ainda em 1992 aos membros de uma comissão de representação parlamentar da Assembléia Legislativa. A comissão, presidida pelo deputado Roberto
Gouveia (PT), investigava o "uso
dos hospitais psiquiátricos pelo
aparato da ditadura". "O motorista que foi buscar os livros foi
perseguido e pessoas da comissão
passaram a receber telefonemas
ameaçadores", diz a psicóloga
Cristina Lopes, da SOS Saúde
Mental. Outros livros teriam sumido num suposto incêndio criminoso ocorrido no hospital.
Com base nos dois livros recebidos, a comissão parlamentar estimou que 61 mil pessoas teriam
morrido dentro do hospital de
1898, quando foi inaugurado, até
1991. Desse total, cerca de 30 mil
teriam sido enterrados no cemitério do próprio Juqueri. "Informações do próprio hospital, recolhidas na época, falavam em 33.977
mortos enterrados ali", diz o deputado Gouveia.
Nesse meio, haveria cerca de
7.000 adolescentes, crianças e natimortos, além de um número
grande de membros amputados,
como pernas e braços, diz Cristina
Lopes. "O que nos espanta é a
grande quantidade de crianças enterradas e a razão de tantas amputações", afirma a psicóloga. Quase todas as crianças seriam filhas
de pacientes do próprio hospital.
Segundo membros da SOS Saúde Mental, funcionários antigos
relataram a prática de enterrar um
corpo sobre ossadas antigas, com
uma superposição de até cinco cadáveres numa mesma sepultura.
Outra constatação é a presença
ali de corpos de pacientes vindos
de outras instituições como o hospital psiquiátrico Pinel, da zona
norte de São Paulo. "Os corpos
deveriam estar em cemitério comum, e não enviados para o Juqueri", afirma Cristina.
Punição
Outro documento entregue ontem à noite ao Ministério Público é
uma ordem de serviço com data de
2 de agosto de 1968 assinada pelo
chefe de disciplina. A ordem determina que "todo interno encontrado com qualquer tipo de arma, improvisada ou não", seja recolhido à cela forte e aplicado
"uma ampola de escopolamina de
0,2 mg". O paciente deveria saber
que se tratava de "disciplina e não
terapêutica". Segundo Cristina, a
escopolamina é uma droga que
provoca sensações de morte iminente e foi usada pelos nazistas
nos campos de concentração. "É a
prova de que a tortura era uma
prática comum", afirma Gouveia,
As investigações da comissão de
1991/93 levaram à aprovação do
"Código da Saúde", em 1995, que
trouxe os princípios da reforma
psiquiátrica no Estado. A comissão de reforma psiquiátrica, no
entanto, até hoje não foi criada.
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