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OPINIÃO
Deus envolto em fraldas
FERNANDO ALTEMEYER JR.
Que é o Natal? Amnésia geral é
sinônimo de confusão natalina?
Alguns se escondem nos presentes, outros fingem divertir-se no
jogo do amigo secreto e outros, no
artificial espetáculo do Papai Noel.
Um dos grandes símbolos natalinos é a vela que acendemos. Nascida da festa de Chanuká, lembra a
retomada de Jerusalém pelos macabeus e a remota festa pagã do Sol
invencível dos romanos.
Na chama de uma vela estão todas as forças da natureza. A vela
acesa é o símbolo da individuação
e dos anos vividos. Tantas velas,
tantos anos. Para o cristão, simbolizam a fé e o amor consumidos em
favor do reino de Deus. Velas são
como vidas entregues pela Vida.
Outro símbolo apreciado é o
presépio. Criado por s. Francisco
de Assis no século 13, manteve-se
pelas imagens feitas de barro e palha, embora em seu início fossem
pessoas, não bonecos, que reviviam a cena do nascimento de Jesus. O presépio quer nos fazer participantes do parto divino.
Personagem destacado é o Papai
Noel. S. Nicolau de Bari, bispo da
Turquia no século 4º, homem de fé
marcante, foi transformado pelo
povo, no correr dos séculos, nesse
pai universal e providente que oferece às crianças presentes e carinhos da terceira idade.
Unindo lendas nórdicas, renas,
trenós e gnomos míticos, temos
todos os ingredientes de um conto
infantil do hemisfério Norte, capaz de comover até os adultos.
As renas carregam sinos. Eles
simbolizam o respeito ao chamado divino e evocam, suspensos em
torres, tudo o que está suspenso
entre o céu e a Terra -é o ponto
de comunicação entre ambos.
Faltam-nos a neve e sua brancura. Sobram-nos as injustiças
-meninos e meninas nascidos
pelas ruas e porões urbanos. Ao
contemplar os milhões de menores subnutridos em nosso continente, excluídos do presente que é
a vida, precisamos crer mais na
partilha do que em Papai Noel.
Não esqueçamos os cartões de
Natal, dos presentes, da ceia familiar e da Missa do Galo. A ceia lembra o ato de amor de Jesus e nossa
origem judaica, como religião que
celebra a fé em torno de uma mesa.
Tantos símbolos de agrupamento familiar, de ligação do cotidiano
fragmentado. Tempo de reacender
a esperança, encontrar parentes e
amigos e dar um sinal de paz e justiça em prol das crianças.
O nascimento se dá à noite, filha
do Caos e mãe do Céu. Ela engendra sono e morte, sonhos, pesadelos, ternura e engano. Tempo das
germinações que irromperão, em
pleno dia, como manifestações da
força vital. O véu da noite esconde
a semente poderosa do dia.
O nascimento do filho de Deus,
encarnado em nossa carne e vivendo nossa história, é o grande
segredo desse Deus, que por amor
e para nossa salvação quis ser um
de nós para nos levar um dia à glória divina. Esse é o mistério da fé.
E é claro o grande segredo do
amor. Quem ama se dá completamente, sem esperar retribuição.
Ato gratuito e generoso de quem é
Deus e prefere ser chamado, secretamente, de Deus-conosco. Ou
Deus-mais-nós, como dizem os
nordestinos. E o Verbo se fez carne
e habitou entre nós, entre fraldas.
Fernando Altemeyer Júnior, 41, teólogo católico, é mestre em teologia dogmática pela Universidade de Louvain (Bélgica) e vigário de comunicação da Arquidiocese de São Paulo.
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