São Paulo, quinta, 25 de dezembro de 1997.



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OPINIÃO
Deus envolto em fraldas

FERNANDO ALTEMEYER JR.
Que é o Natal? Amnésia geral é sinônimo de confusão natalina? Alguns se escondem nos presentes, outros fingem divertir-se no jogo do amigo secreto e outros, no artificial espetáculo do Papai Noel.
Um dos grandes símbolos natalinos é a vela que acendemos. Nascida da festa de Chanuká, lembra a retomada de Jerusalém pelos macabeus e a remota festa pagã do Sol invencível dos romanos.
Na chama de uma vela estão todas as forças da natureza. A vela acesa é o símbolo da individuação e dos anos vividos. Tantas velas, tantos anos. Para o cristão, simbolizam a fé e o amor consumidos em favor do reino de Deus. Velas são como vidas entregues pela Vida.
Outro símbolo apreciado é o presépio. Criado por s. Francisco de Assis no século 13, manteve-se pelas imagens feitas de barro e palha, embora em seu início fossem pessoas, não bonecos, que reviviam a cena do nascimento de Jesus. O presépio quer nos fazer participantes do parto divino.
Personagem destacado é o Papai Noel. S. Nicolau de Bari, bispo da Turquia no século 4º, homem de fé marcante, foi transformado pelo povo, no correr dos séculos, nesse pai universal e providente que oferece às crianças presentes e carinhos da terceira idade.
Unindo lendas nórdicas, renas, trenós e gnomos míticos, temos todos os ingredientes de um conto infantil do hemisfério Norte, capaz de comover até os adultos.
As renas carregam sinos. Eles simbolizam o respeito ao chamado divino e evocam, suspensos em torres, tudo o que está suspenso entre o céu e a Terra -é o ponto de comunicação entre ambos.
Faltam-nos a neve e sua brancura. Sobram-nos as injustiças -meninos e meninas nascidos pelas ruas e porões urbanos. Ao contemplar os milhões de menores subnutridos em nosso continente, excluídos do presente que é a vida, precisamos crer mais na partilha do que em Papai Noel.
Não esqueçamos os cartões de Natal, dos presentes, da ceia familiar e da Missa do Galo. A ceia lembra o ato de amor de Jesus e nossa origem judaica, como religião que celebra a fé em torno de uma mesa.
Tantos símbolos de agrupamento familiar, de ligação do cotidiano fragmentado. Tempo de reacender a esperança, encontrar parentes e amigos e dar um sinal de paz e justiça em prol das crianças.
O nascimento se dá à noite, filha do Caos e mãe do Céu. Ela engendra sono e morte, sonhos, pesadelos, ternura e engano. Tempo das germinações que irromperão, em pleno dia, como manifestações da força vital. O véu da noite esconde a semente poderosa do dia.
O nascimento do filho de Deus, encarnado em nossa carne e vivendo nossa história, é o grande segredo desse Deus, que por amor e para nossa salvação quis ser um de nós para nos levar um dia à glória divina. Esse é o mistério da fé.
E é claro o grande segredo do amor. Quem ama se dá completamente, sem esperar retribuição. Ato gratuito e generoso de quem é Deus e prefere ser chamado, secretamente, de Deus-conosco. Ou Deus-mais-nós, como dizem os nordestinos. E o Verbo se fez carne e habitou entre nós, entre fraldas.


Fernando Altemeyer Júnior, 41, teólogo católico, é mestre em teologia dogmática pela Universidade de Louvain (Bélgica) e vigário de comunicação da Arquidiocese de São Paulo.



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