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São Paulo, domingo, 26 de janeiro de 2003

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DANUZA LEÃO

Sem problemas não dá

Ninguém gosta de ter problemas, claro, mas com eles a vida fica mais normal.
Não, você não entendeu mal: com alguns problemas -leves-, tudo fica mais fácil.
Você está esperando que saia o financiamento do apartamento, que o homem maravilhoso que conheceu na festa telefone, que a obra do banheiro fique pronta, que cheguem as férias para pegar um avião e sumir do mapa, que pinte o dinheiro para poder comprar aquele vestido lindo, que o cabelo cresça. É só resolver pelo menos um deles para ter a ilusão, por uns momentos, de ser feliz. Mas como nem todos vão desaparecer ao mesmo tempo, você continua angustiada; como sempre, claro.
Se está em Paris com um bom cartão de crédito na bolsa, a família em paz total e 20 dias pela frente podendo comprar o que quiser, comer o que quiser, beber o que quiser, sem um só compromisso e uma só obrigação, aí tudo fica muito difícil. É medo de ser feliz? É, ou melhor: de não ter a capacidade de ser feliz, o que é duro de reconhecer.
No dia-a-dia ainda vai: quando está tudo tranquilo, tem pelo menos que providenciar o supermercado, aturar o mau humor da empregada, chamar a dedetização, essas benditas coisas que nos atormentam diariamente. Não é para qualquer um passar uma semana que seja sem um só problema, uma só preocupação -e feliz.
Para os viciados em angústia, ter que escolher um restaurante já é um prato cheio, pois nessa hora se estabelece o conflito, mesmo que se esteja só. Bem ou mal é um conflito, e resolvido esse, imediatamente se inventa outro: se vão beber cerveja ou vinho, e se for vinho, se branco ou tinto. Tudo é problema.
Para os complicados, é insuportável pensar em estar num barco cheio de mulheres lindas, com um copo de bebida na mão e a vida parecendo um comercial de TV. Só de pensar que podem ser convidados para um programa desses, eles se estressam -e recusam, claro.
Qual foi a última vez que você teve a consciência de ser feliz? Pergunta difícil de responder, estou de acordo. É aflitivo -para dizer o mínimo- se sentir feliz. Dá, no mínimo, um grande medo de a felicidade passar, acabar e a vida voltar a ser como sempre foi; com esses pensamentos, ninguém pode ser feliz, claro.
Alguns, quando maltratados ou rejeitados, sofrem, mas acham normal. O problema é quando alguém os procura, trata bem, diz que os admira. O mínimo que vão fazer é desconfiar: da sinceridade das pessoas, se não haverá uma segunda intenção atrás do que estão dizendo, se não é fingimento, qualquer coisa -desde que seja ruim. Basta que o namorado chegue com umas flores para que algumas mulheres pensem, de bate-pronto, "alguma ele andou aprontando".
Os felizes -será que eles existem mesmo?- não se sentem culpados pela fome no mundo nem pensam que tudo o que fazem é errado. Aliás, quem é feliz faz o que o dia inteiro? Vai ao shopping?
Mas às vezes acontece de a vida estar suave, os afetos resolvidos, a saúde tinindo e nem um só eletrodoméstico com defeito, o que vira um grande problema.
Mas não se preocupe: os verdadeiramente complicados inventam imediatamente um drama, de preferência bem grande, para que possam continuar a viver bem atormentados, o que para eles é tão necessário quanto o ar que respiram.
Angústia: para alguns, não dá para viver sem.

E-mail - danuza.leao@uol.com.br


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