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DANUZA LEÃO
Sem problemas não dá
Ninguém gosta de ter problemas, claro, mas com eles a
vida fica mais normal.
Não, você não entendeu mal:
com alguns problemas -leves-,
tudo fica mais fácil.
Você está esperando que saia o
financiamento do apartamento,
que o homem maravilhoso que
conheceu na festa telefone, que a
obra do banheiro fique pronta,
que cheguem as férias para pegar
um avião e sumir do mapa, que
pinte o dinheiro para poder comprar aquele vestido lindo, que o
cabelo cresça. É só resolver pelo
menos um deles para ter a ilusão,
por uns momentos, de ser feliz.
Mas como nem todos vão desaparecer ao mesmo tempo, você continua angustiada; como sempre,
claro.
Se está em Paris com um bom
cartão de crédito na bolsa, a família em paz total e 20 dias pela
frente podendo comprar o que
quiser, comer o que quiser, beber
o que quiser, sem um só compromisso e uma só obrigação, aí tudo
fica muito difícil. É medo de ser
feliz? É, ou melhor: de não ter a
capacidade de ser feliz, o que é
duro de reconhecer.
No dia-a-dia ainda vai: quando
está tudo tranquilo, tem pelo menos que providenciar o supermercado, aturar o mau humor da
empregada, chamar a dedetização, essas benditas coisas que
nos atormentam diariamente.
Não é para qualquer um passar
uma semana que seja sem um só
problema, uma só preocupação
-e feliz.
Para os viciados em angústia,
ter que escolher um restaurante já
é um prato cheio, pois nessa hora
se estabelece o conflito, mesmo
que se esteja só. Bem ou mal é um
conflito, e resolvido esse, imediatamente se inventa outro: se vão
beber cerveja ou vinho, e se for vinho, se branco ou tinto. Tudo é
problema.
Para os complicados, é insuportável pensar em estar num barco
cheio de mulheres lindas, com um
copo de bebida na mão e a vida
parecendo um comercial de TV.
Só de pensar que podem ser convidados para um programa desses, eles se estressam -e recusam,
claro.
Qual foi a última vez que você
teve a consciência de ser feliz?
Pergunta difícil de responder, estou de acordo. É aflitivo -para
dizer o mínimo- se sentir feliz.
Dá, no mínimo, um grande medo
de a felicidade passar, acabar e a
vida voltar a ser como sempre foi;
com esses pensamentos, ninguém
pode ser feliz, claro.
Alguns, quando maltratados ou
rejeitados, sofrem, mas acham
normal. O problema é quando alguém os procura, trata bem, diz
que os admira. O mínimo que vão
fazer é desconfiar: da sinceridade
das pessoas, se não haverá uma
segunda intenção atrás do que estão dizendo, se não é fingimento,
qualquer coisa -desde que seja
ruim. Basta que o namorado chegue com umas flores para que algumas mulheres pensem, de bate-pronto, "alguma ele andou
aprontando".
Os felizes -será que eles
existem mesmo?- não se sentem
culpados pela fome no mundo
nem pensam que tudo o que
fazem é errado. Aliás, quem é feliz
faz o que o dia inteiro? Vai ao
shopping?
Mas às vezes acontece de a vida
estar suave, os afetos resolvidos, a
saúde tinindo e nem um só eletrodoméstico com defeito, o que vira
um grande problema.
Mas não se preocupe: os verdadeiramente complicados inventam imediatamente um drama,
de preferência bem grande, para
que possam continuar a viver
bem atormentados, o que para
eles é tão necessário quanto o ar
que respiram.
Angústia: para alguns, não dá
para viver sem.
E-mail - danuza.leao@uol.com.br
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