|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
MOACYR SCLIAR
A hora e a vez do macaco
Vice-premiê pede que cingapurianos
se comportem como macacos. As pessoas de Cingapura foram encorajadas a agir como macacos -o signo
do zodíaco chinês para o próximo
ano lunar- para o bem de seu país.
Os chineses acreditam que o macaco
é inteligente, flexível, inovador e
constante. "Seja como um macaco.
Quando as coisas acontecem, você
deve ser esperto. Tire vantagem das
oportunidades, não se deixe derrubar, levante-se para o desafio", disse
Tony Tan. Folha Online, 19.jan.2004
"Nós, membros do Movimento de Incentivo à
Cultura dos Orangotangos e Similares (Micos), estamos vindo a
público para, em primeiro lugar,
expressar nossa solidariedade ao
vice-premiê Tony Tan. O senhor
Tan mostra que é homem culto e
avançado. Todo o mundo conhece a inteligência e a esperteza dos
nossos primos na escala animal.
Não era preciso nenhum Darwin
para fazer a apologia dos macacos, nenhuma Ana Arósio para
posar com eles em fotos, nenhum
Tarzan para confraternizar (de
forma até suspeita, segundo alguns) com a fiel Chita. Não era
preciso um filme chamado "O
Planeta dos Macacos" para antecipar que, no futuro, bem podem
os macacos dominar a Terra. Isso
tudo está bem claro.
Não, porém, num país chamado Brasil, e aqui vem o segundo
propósito de nossa manifestação.
Queremos protestar contra o tratamento dado aos macacos no
país. Aqui, macaco é objeto de deboche. É só olhar o dicionário: depois de reconhecer que esta é a denominação de várias espécies de
primatas, o texto acrescenta que
macaco é um termo figurativo
para indivíduo muito feio, ou para aquele que arremeda ou imita
grotescamente -que faz uma
macaquice, portanto. Mandar
pentear macacos é uma frase
ofensiva. Macaco é aquele humilde instrumento que serve para levantar o automóvel. E assim por
diante.
Isso, porém, não é nada em
comparação ao que se faz com o
mico. Essa pobre criatura, que povoava o país muito antes da chegada dos colonizadores, pagou
um alto preço pela chamada civilização -algumas espécies estão
até em extinção. Adicionando insulto à agressão, o termo "mico" é
objeto de deboche. O mico é a carta que ninguém quer, naquele jogo famoso. E ninguém quer pagar
o mico. Como se os micos não merecessem ser pagos. Merecem
muito mais.
Por tudo isso, estamos lançando
um chamado. Macacos e micos
do Brasil, uni-vos! Nada tendes a
perder, a não ser o secular estigma que aqui vos foi imposto! Rumai para o país que vos compreende: Cingapura. Lá tereis
vosso valor reconhecido.
É isso aí, macacada. Vamos logo. Se pegarmos o cipó das 11, chegamos a tempo no aeroporto."
Moacyr Scliar escreve às segundas-feiras, nesta coluna, um texto de ficção baseado em matérias publicadas no jornal.
Texto Anterior: Há 50 anos Próximo Texto: Consumo: Celular não funciona em prazo estabelecido pela operadora Índice
|