São Paulo, segunda-feira, 26 de janeiro de 2004

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MOACYR SCLIAR

A hora e a vez do macaco

Vice-premiê pede que cingapurianos se comportem como macacos. As pessoas de Cingapura foram encorajadas a agir como macacos -o signo do zodíaco chinês para o próximo ano lunar- para o bem de seu país. Os chineses acreditam que o macaco é inteligente, flexível, inovador e constante. "Seja como um macaco. Quando as coisas acontecem, você deve ser esperto. Tire vantagem das oportunidades, não se deixe derrubar, levante-se para o desafio", disse Tony Tan. Folha Online, 19.jan.2004

"Nós, membros do Movimento de Incentivo à Cultura dos Orangotangos e Similares (Micos), estamos vindo a público para, em primeiro lugar, expressar nossa solidariedade ao vice-premiê Tony Tan. O senhor Tan mostra que é homem culto e avançado. Todo o mundo conhece a inteligência e a esperteza dos nossos primos na escala animal. Não era preciso nenhum Darwin para fazer a apologia dos macacos, nenhuma Ana Arósio para posar com eles em fotos, nenhum Tarzan para confraternizar (de forma até suspeita, segundo alguns) com a fiel Chita. Não era preciso um filme chamado "O Planeta dos Macacos" para antecipar que, no futuro, bem podem os macacos dominar a Terra. Isso tudo está bem claro.
Não, porém, num país chamado Brasil, e aqui vem o segundo propósito de nossa manifestação. Queremos protestar contra o tratamento dado aos macacos no país. Aqui, macaco é objeto de deboche. É só olhar o dicionário: depois de reconhecer que esta é a denominação de várias espécies de primatas, o texto acrescenta que macaco é um termo figurativo para indivíduo muito feio, ou para aquele que arremeda ou imita grotescamente -que faz uma macaquice, portanto. Mandar pentear macacos é uma frase ofensiva. Macaco é aquele humilde instrumento que serve para levantar o automóvel. E assim por diante.
Isso, porém, não é nada em comparação ao que se faz com o mico. Essa pobre criatura, que povoava o país muito antes da chegada dos colonizadores, pagou um alto preço pela chamada civilização -algumas espécies estão até em extinção. Adicionando insulto à agressão, o termo "mico" é objeto de deboche. O mico é a carta que ninguém quer, naquele jogo famoso. E ninguém quer pagar o mico. Como se os micos não merecessem ser pagos. Merecem muito mais.
Por tudo isso, estamos lançando um chamado. Macacos e micos do Brasil, uni-vos! Nada tendes a perder, a não ser o secular estigma que aqui vos foi imposto! Rumai para o país que vos compreende: Cingapura. Lá tereis vosso valor reconhecido.
É isso aí, macacada. Vamos logo. Se pegarmos o cipó das 11, chegamos a tempo no aeroporto."


Moacyr Scliar escreve às segundas-feiras, nesta coluna, um texto de ficção baseado em matérias publicadas no jornal.


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