São Paulo, quarta, 26 de março de 1997.

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OPINIÃO
Polícia: direção e execução

BISMAEL B. MORAES

Não há, sobre a face da Terra, qualquer forma de Estado sem uma organização policial. Encontram-se países -grandes e pequenos- desprovidos de Forças Armadas, mas não existe país sem polícia.
Até o Vaticano, que administra a Igreja Católica no mundo, formada por papa e cardeais, bispos, cônegos, padres, freiras e coroinhas, não prescinde dessa organização pública. Poucos a estudam; porém muitos a querem dirigir.
Lidando com a vida, a liberdade, a honra, o patrimônio e a segurança dos membros da sociedade, ainda assim a polícia não foi estudada pela universidade. Outras matérias menos importantes são pesquisadas e discutidas.
Por isso, é possível encontrar alguém com o título de doutor em direito ou em sociologia -portanto, com defesa de tese- que saiba tanto sobre polícia como qualquer pessoa que assista a filmes "policiais". Ou seja: nada sabem.
O mestre francês Fernand Cathala, em seu livro "Polícia: Mito e Realidade", critica os que fecham os olhos ao procedimento policial, mesmo que reprovável, desde que haja muitas prisões e rapidez na repressão. Esses "entendidos" acham que não logrará êxito na carreira o policial que se esmere em "conhecimentos, seja esclarecido e se preocupe em observar e respeitar a normas legais".
Talvez por isso, em regra, os governantes entendam que, para ser um bom policial, o importante é a força física e a habilidade com a arma. Mas como agirá um desses brutamontes numa investigação sobre um crime do "colarinho branco", num desfalque bancário, num grande contrato fraudulento?
Parece ser por isso que algumas autoridades e comandantes ainda preparam policiais para "caçar" bandidos em favelas, como se não houvesse bandidos em palácios. O miserável, que mora mal, vive mal, tem pouca instrução e cuja aparência não agrada aos olhos deve ser o primeiro suspeito. Para que uma polícia bem preparada e com garantias para sua missão, se isso representa risco para grande parte das elites desonestas?
Não é por outro motivo que há muita gente importante querendo dirigir a polícia, sem desejar, todavia, colocar as mãos na massa, trabalhar à noite, aos sábados, domingos e feriados. É fácil ficar longe do contato com o povo sem ser atingido pela insegurança, mas arvorando-se de censor, quando falhas policiais ocorrerem. Como pode pretender a direção quem não conhece a execução?


Bismael B. Moraes, 60, advogado, mestre em direito pela USP, é professor da Faculdade de Direito de Guarulhos e presidente da Associação dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo.

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