São Paulo, domingo, 26 de março de 2000


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REVISTA
Muito além dos Jardins

PAULO SAMPAIO
da Revista

Os estilosos de Higienópolis conseguiram. Depois de muito empenho em levar uma vida cosmopolita, cool, veio a recompensa: o bairro de FHC ganhou uma reportagem de 14 páginas na última edição da revista britânica "Wallpaper", um catatau de 400 páginas transbordantes de modernidade ("A primeira revista global da história, feita para gente cult, bacaninha, well dressed e well traveled", na definição do seu representante comercial no Brasil, Chico Lowndes, 29).
Na avaliação da "Wallpaper",Higienópolis é "cosmopolitan", "classy", "verdant", "breezy". "O bairro tem tudo que um bom endereço deve ter...", diz o texto do arquiteto Lorenz Ackermann.
Muita gente pensa como a "Wallpaper", considerada por Ackermann a "bíblia" da estética contemporânea. "A gente adotou a palavra cult como o símbolo de Higienópolis. Está ali a essência da "intelligentsia" da cidade", diz o publicitário Isac Chapira.
Essa "essência da intelligentsia" tem suas particularidades. Pergunte, por exemplo, onde um morador de Higienópolis vive. Ele provavelmente responderá com o nome do prédio (ou arquiteto), em vez de citar a rua. "O Umuarama me faz lembrar o Dakota (edifício onde morou John Lennon). Eu me sinto totalmente refugiada no tempo", diz a escritora Fernanda Young, 29.
O pessoal da "Wallpaper" estacionou na frente do prédio Bretagne, do arquiteto Artacho Jurado (1907-83). "Ele fez uma mistura de elementos que é, no mínimo, kitsch. Na portaria, fica um biombo de flor-de-lis de gesso", diz Cid Torquato, diretor de um portal da Internet.
Para a corretora de imóveis Etienne Peled, não dá mais para associar o Bretagne ao "beautiful people". Hoje, os apartamentos variam de R$ 120 mil (dois quartos) a R$ 180 mil (três quartos).

Cachorro
"Sempre tive uma simpatia muito grande pelo Cinderela (cachorro)", diz o gerente de comunicação Valdir Cimino, 39, que mora com o amigo decorador Ricardo Aquino, 38. Eles têm um cachorro, acessório básico no bairro. Para Aquino, "as pessoas aqui possuem um nível cultural bom, por isso entendem o cachorro que você tem, sorriem para ele".
"Gosto da Pipoca, mas tenho um dog walker que a leva para passear", diz Fernanda Young, que cria uma schnauzer.
"O único lugar que morei fora de São Paulo foi Milão. Pois aqui, eu me sinto em Milão: o verde, os prédios anos 40, 50, muita gente com cara de europeu", diz a empresária Patrícia Capaldi, 38.
A "essência da intelligentsia" paulistana perdeu a compostura quando a equipe da "Wallpaper" desembarcou no bairro. "Todo mundo queria aparecer na matéria. O povo perguntava: a "Wallpaper" passou por aqui?'", conta a dona do restaurante Carlota, Carla Pernambuco.
Tanta festa em relação a Higienópolis é recente. Até pouco tempo, o bairro era familiar, reduto de judeus mais ricos e com uma grande concentração de idosos. O bairro é hoje uma mistura hoje dessas diferentes "ocupações".
Os intelectuais, artistas e o tal "beautiful people" vieram para o bairro atraídos pelos apartamentos antigos, mais amplos. A nova leva de moradores é de artistas emergentes e de endinheirados.
O morador que se considera "cria do bairro" rejeita emergentes. O habitante de Higienópolis diz que lugar de emergente é em Moema, ou Itaim. "Moema é brega. É a Barra da Tijuca paulista; e o Itaim não perde aquele ar de pronta-entrega. É uma espécie de Zé Paulino melhorada", diz o arquiteto Jorge Elias.
Tanto discernimento veio a calhar com o espírito cult-bacaninha da revista Wallpaper. Encantados, seus editores não resistiram e acabaram se incluindo no "fecho" da matéria. "Se um dia o escritório da Wallpaper em São Paulo for ampliado para acomodar seu pessoal, você já sabe onde nos encontrar", conclui o texto.


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