|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
GILBERTO DIMENSTEIN
O escárnio não compensa
Os detalhes sobre os gastos milionários com decoração da ex-primeira-dama Nicéa Camargo
quando morou em Nova York, divulgados na semana passada,
apenas reforçaram a sensação de
que a família Pitta não tinha como explicar seus gastos.
A explicação era, no mínimo,
constrangedora -a fonte de renda viria do empresário Jorge Yunes que, magnânimo, nem fazia
questão de receber o dinheiro de
volta.
Para piorar, o magnânimo doador tinha interesses diretos e indiretos na administração municipal, além de envolvimento em
caixinha de campanha eleitoral.
À medida que se divulgaram
novos detalhes sobre como viviam os Pitta, com seus gastos
dentro e fora do Brasil, assistíamos a um festival de escárnio.
O escárnio pessoal era a cereja
do bolo do escárnio público, com
a cidade tomada por redes de corrupção e abandonada administrativamente. Conformada, a população via o festival, na expectativa de que, como de costume,
não resultasse em nada.
A principal cidade da América
Latina, um dos centros econômicos mundiais, assemelhava-se a
uma dessas indigentes republiquetas movidas ao folclore da impunidade. Só assim se entende ser
governada por alguém incapaz
de explicar de onde vem sua fonte
de renda -e, quando tenta, sai-se pior ainda.
Anteontem, um juiz mostrou
que a sociedade cria mais e mais
anticorpos contra a esculhambação pública.
Mesmo que Celso Pitta recupere
seu cargo, o estrago (ou melhor, o
conserto) já está feito.
O pedido de afastamento fora
feito por sete promotores da Cidadania do Ministério Público, qualificando o empréstimo como
"presente" de alguém que empregou parentes na prefeitura, o que
é pouco, vamos reconhecer, e tinha interesses em mudanças de
zoneamento, o que é muitíssimo.
O juiz Olavo Sá Pereira acatou
a liminar, tirou o prefeito do cargo e, mais importante, deixou os
experientes analistas políticos boquiabertos.
Imaginava-se que apenas um
improvável processo de impeachment tiraria Pitta; não a Justiça.
Semelhante ao que ocorreu com
Fernando Collor, mesmo os mais
tarimbados políticos supunham
que um presidente sairia do Palácio do Planalto, antes do final de
mandato, apenas se adoecesse ou
sofresse um golpe.
O ponto essencial: o Brasil é diferente. E diferente para melhor.
A tradicional ótica da sinistrose, estimulando a percepção de
que nada prospera, de que a corrupção é, em regra, vitoriosa, está
ultrapassada.
Pitta não está pagando apenas
por seus tropeços -mas também
e, especialmente, porque sua eleição já foi um grande tropeço articulado por Paulo Maluf.
Quebrou-se uma cidade para se
eleger um candidato. Algo visto
como normal na política, aceitável supostamente porque todos
fazem. Mas uma delinquência.
O afastamento de Pitta é resultado de uma nova lógica -a lógica de uma sociedade que, graças à vivência democrática, está
mais articulada, atenta, com suas
instituições exercendo suas prerrogativas.
A decisão do juiz vai além do
mérito técnico. É o reflexo de uma
indignação geral, com os desmandos municipais, desvendados, em boa parte, pela imprensa
e vocalizados por jovens promotores.
O Brasil está mais sofisticado e
informado, com uma crescente
classe média e maior acesso ao
conhecimento -esse processo é
particularmente acentuado em
São Paulo.
Há uma desconexão brutal entre a sociedade paulistana, recheada de talentos, projetos financeiros, comerciais, artísticos,
culturais e tecnológicos, e sua representação política, indigência
de republiqueta.
É algo parecido a alguém vestir
um terno elegante acompanhado
de sandália havaiana.
Algum lado teria de sobressair
-a republiqueta ou o talento
cosmopolita.
Depois de vencer a eleição como
venceu, Pitta não teve mais sossego, cercado de processos, que o
impediram de dispor de seus recursos privados. Daí o tal empréstimo.
Mais tarde, ficariam expostos
esquemas de corrupção que saíram do Executivo até o Legislativo. Fala-se, agora, o que todos
suspeitavam: o processo de impeachment não prosperou porque
os vereadores foram azeitados. E,
segundo a família Pitta, com ajuda do próprio Yunes.
A decisão do juiz, anteontem, é
mais um sinal de que o escárnio
não compensa.
PS - Vou repetir nesta coluna o
que escrevi semana passada, agora, reforçado pela decisão judicial: sou um otimista em relação
a São Paulo.
Chegamos, de fato, ao fundo do
poço, mas a sociedade está madura para dar uma virada, recuperando sua auto-estima.
E-mail: gdimen@uol.com.br
Texto Anterior: Clima: Pesquisa sobre raios volta em novembro Próximo Texto: Revista: Muito além dos Jardins Índice
|