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ENTRE DOIS MUNDOS
Junior, do grupo AfroReggae, faz a ponte entre grandes empresários e as comunidades das favelas
PIB paulista sobe morro para "viver" pobreza
LAURA CAPRIGLIONE
DA REPORTAGEM LOCAL
Ronaldo Koloszuk, 28, presidente do Comitê de Jovens Empreendedores da Federação das
Indústrias do Estado de São Paulo; André, 25, filho de Paulo Skaf,
presidente da Fiesp; Wilson de
Faria, 37, diretor de planejamento
tributário do Citibank; e Pedro
Navio, 25, gerente nacional de
marketing da Redbull, são ricos.
Recentemente, os jovens deram
para gostar de ir também para os
morros do Rio de Janeiro, onde se
escondem traficantes de drogas
des temíveis facções criminosas.
Foram atrás de José de Oliveira
Junior, o Junior, 37.
Coordenador do Grupo Cultural AfroReggae, Junior -que nasceu em Ramos, zona do meretrício da cidade-, trata com familiaridade tanto traficantes quanto
os herdeiros do PIB paulista.
"Meu objetivo é ser uma ponte
entre pessoas que nem se cumprimentariam", diz. Há uma semana, Junior relançou seu livro "Da
Favela para o Mundo", pela
Ediouro. A ponte está em obras.
De ampliação.
Folha - O que faz o coordenador
do AfroReggae andando com o delfim da Fiesp André Skaf?
José Junior - "Você já foi a uma
favela na tua vida?", eu perguntei
ao André em outubro do ano passado. Ele respondeu: "Nunca". Na
semana seguinte, levei-o para conhecer Vigário Geral, Cantagalo e
Cidade de Deus. Tudo em um
único dia. Acabou que foi um dia
muito especial. Desde agosto eu
vinha conversando com o chefe
do tráfico de Vigário Geral, um
cara de 35 anos que queria largar a
atividade. Sempre que eu ia a Vigário, eu conversava com esse
chefe e, por coincidência, no dia
em que ele decidiu sair do tráfico,
o André estava lá. Isso deixou-o
muito impressionado.
Folha - Ele foi com segurança?
Junior - Olha, o Rio de Janeiro
não é assim. Se você for com uma
BMW a uma favela do Rio de Janeiro e deixar sua BMW aberta,
com mochila, som ligado, ninguém mexe. Faz isso aqui no Capão Redondo. Não dá, não é?
Folha - Por que é assim?
Junior - Vigário Geral, por
exemplo, é uma favela em que o
Caetano [Veloso] sempre está, o
[diretor Pedro] Almodóvar já foi,
[Gilberto] Gil já foi. É uma favela
privilegiada pela constância com
que pessoas importantes estão lá.
Folha - Para que serve esse turismo social?
Junior - A gente não promove
"turismo social". A gente constrói
pontes entre as classes para mostrar as coisas boas que existem em
lugares dos quais só se esperam
coisas ruins. O André ia passar o
último réveillon no Rio. Eu levei-o
para a carceragem da Polinter,
cheia de neguinho de alta periculosidade -traficantes, seqüestradores, assassinos. Ficamos todos
juntos, os bandidos e nós: não tinha grade. Ele ficou três horas lá
dentro. Sem segurança.
Folha - Como o AfroReggae
atua na mediação de conflitos?
Junior - Vou dar um exemplo.
No início de 2004, eu assisti a um
espetáculo chamado "Antônio e
Cleópatra" e tive a idéia de levá-lo
para a favela, com os atores globais, o mesmo cenário, tudo. Mas
não servia qualquer favela. Tinha
de ser Vigário [Geral] e [Parada
de] Lucas, que têm a guerra mais
antiga do tráfico do Brasil [desde
1982]. O espetáculo ia acontecer
na fronteira entre as duas comunidades, onde um cachorro, se
atravessar pro outro lado, nego
mata. Precisava haver uma trégua
e eu fui falar disso com o chefe do
tráfico em Lucas. Outro cara do
AfroReggae foi falar com o chefe
de Vigário. No meio da conversa,
toca o meu celular. "Ô irmão, Vigário vai atacar Lucas agora."
Folha - Acabou o espetáculo?
Junior - Nada disso. "Quem é
que está do teu lado ameaçando?", eu perguntei. "Fulano."
"Então põe ele aí na linha." Alô.
"Vem aqui, "Fulano", você vai atacar aqui por quê?" Ele falou de uns
problemas com o pessoal de Lucas. Eu respondi: "Olha, você fala
com o "Sicrano" que está aqui do
meu lado". Daqui a pouco o chefe
do meu lado falou: "Vamos todo
mundo para a fronteira". Fomos.
Dezenas de homens armados de
um lado, dezenas do outro. No
meio, uma escola, o Ciep Mestre
Cartola, que logo suspendeu as
aulas, e um posto policial. Eu falei:
"Vou atravessar essa parada". Comecei a atravessar e, para me assustar, os caras botaram o dedo
no gatilho e plá, plá, plá. Cheguei
do outro lado e conversei com o
chefe. O cara me perguntou: "Você quer a paz? Então eu vou do outro lado contigo". Largou as armas, botou a vida na minha mão e
foi. Chegou até o meio e parou. Aí,
o cara do outro lado fez a mesma
coisa: largou a arma e foi até o
meio. Eles deram-se as mãos. Um
disse que respeitava o outro, que
retribuiu. "Depois, a gente resolve", foi a senha para o que seria
um dia de trégua. Foram 18.
Folha - Você usa drogas?
Junior - Eu nunca fumei, nunca bebi um copo de cerveja, nunca
cheirei. Nada. Mas aconteceu
uma coisa que me deixou muito
"bolado". Teve uma passeata
quando o Tim Lopes morreu [o
jornalista foi assassinado em
2002]. Um monte de gente foi de
camiseta preta, sinal de luto. Acabou a manifestação e o pessoal,
ainda com a camiseta preta, foi
para os morros comprar cocaína.
Ali ficou claro para mim que as
pessoas que cheiravam aquele pó
ajudaram a matar o Tim Lopes.
Folha - O que mudou na economia do tráfico?
Junior - O tráfico não tem mais
o caráter assistencialista que já teve. Antes, o traficante era o morador da favela. Hoje, é o invasor
que se apoderou do morro ou o
"executivo". O cara não tem vínculo com aquela região. Se não está funcionando para tocar o negócio numa favela? A facção manda
outro, mesmo sem vínculo com a
comunidade. Antes, os traficantes
não viam as comunidades como
seu público-alvo. Agora, vêem. É
um salve-se-quem-puder.
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