São Paulo, quarta, 26 de maio de 1999

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JUSTIÇA
Ela obteve autorização, mas a 7ª Câmara Criminal do Rio, a pedido do deputado Carlos Dias (PFL), suspendeu a decisão
Liminar proíbe aborto de T., 18, estuprada

Ana Carolina Fernandes/Folha Imagem
A garota T., 18, que foi estuprada, está grávida e quer fazer aborto


SERGIO TORRES
enviado especial a Vassouras (RJ)

Grávida desde o estupro sofrido em 13 de março, T.G.S., 18, quer que a Justiça autorize uma cirurgia que interrompa a gestação.
Ela chegou a obter autorização do juiz João Carlos Corrêa, da comarca de Vassouras (município a 116 km do Rio), mas, na semana passada, a 7ª Câmara Criminal do Rio, a pedido do deputado estadual Carlos Dias (PFL), suspendeu a decisão.
A decisão definitiva da 7ª Câmara Criminal sobre a autorização para o aborto só deverá ser tomada em duas semanas.
A cirurgia para a interrupção da gravidez foi proibida por liminar concedida pelo relator do caso, desembargador Carlos Brazil.
O mérito do habeas corpus impetrado pelo deputado Carlos Dias só será julgado pelos desembargadores da 7ª Câmara depois que o juiz João Carlos Corrêa apresentar suas explicações. Antes da decisão, os desembargadores também pedirão o parecer do Ministério Público do Estado do Rio.

Sem condição
Desempregada, T. insiste na retirada do feto. Alega não ter condições psicológica e financeira para sustentar a criança. Sua mãe, Maria Suely Gonçalves da Silva, só ganha R$ 70 por mês, como caseira de um sítio em Mendes.
Caso a 7ª Câmara mantenha a decisão, T. completará 19 anos, em novembro, às vésperas do nascimento da criança. Hipótese que a deixa indignada. Ela sonha ter dois filhos, mas não dessa forma.
"Eu não queria ter o filho de um estupro", disse à Folha, na segunda-feira, na casa de uma amiga em Vassouras, cidade onde nasceu. A seguir, trechos da entrevista.
Folha - O que você achou da ação do desembargador?
T.G.S. -
Não gostei. Queria tirar mesmo a criança.
Folha - Por quê?
T. -
Por (falta de) condições psicológicas e por não ter como criar.
Folha - Você estuda, trabalha?
T. -
Estudo, mas no momento estou parada. Estou na 7ª série do colégio Centenário (Vassouras).
Folha - Você parou quando?
T. -
Uns dias depois do que aconteceu (o estupro).
Folha - Você pensa em entrar com ação judicial para fazer o aborto?
T. -
Não.
Folha - Você vai ter esse filho, então?
T. -
Se demorar muito vou ter que ter. É muito perigoso tirar.
Folha - Você está tendo acompanhamento médico?
T. -
Não.
Folha - Por que você não procurou um posto de saúde, um hospital?
T. -
Quem estava acompanhando nos primeiros dias era a doutora Francinete, no hospital Eufrásia (Vassouras).
Folha - Por que você não voltou mais lá?
T. -
Por enquanto não precisei.
Folha - Se a Justiça mantiver a proibição do aborto, você pensa em fazer alguma coisa por conta própria?
T. -
Não. Tenho muito medo.
Folha - Você conhecia o acusado?
T. -
Não.
Folha - Você foi reconhecê-lo na delegacia?
T. -
Fui. Era ele mesmo.
Folha - Algum grupo religioso te procurou?
T. -
Só mandaram uma carta de Barra do Piraí (cidade próxima). Uma dona da igreja de crentes.
Folha - Ela fala o quê?
T. -
Para não fazer o aborto.
Folha - Você respondeu?
T. -
Não.
Folha - O que você espera das pessoas que poderão decidir ou não pelo aborto?
T. -
Peço encarecidamente que resolvam minha situação o mais rápido possível.
Folha - No futuro, você pensa em ter filhos?
T. -
No futuro, penso. Dois filhos só. Hoje em dia, para ter filho tem que ter recurso.
Folha. Você tem namorado?
T. -
Nunca tive.
Folha - O que você fará se não puder tirar a criança?
T. -
Já pensei em dar, mas acho que não sei se vai ser possível. Depois de ter sofrido muito vou ter que dar a criança, não vou querer.



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