São Paulo, quinta-feira, 26 de outubro de 2000

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CIÊNCIAS SOCIAIS
Norte-americana mostra que moradores buscam ajuda de criminosos e de entidades para intermediar conflitos
Traficante atua como "juiz", diz pesquisa

CRISTINA GRILLO
ENVIADA ESPECIAL A PETRÓPOLIS

Um trabalho de campo que vem sendo desenvolvido pela pesquisadora norte-americana Corine Davis na Rocinha mostra que os moradores da favela tendem a buscar a intermediação legal para resolver conflitos de patrimônio ou de vizinhança.
Mas quando os problemas são criminais, a solução procurada é o que a pesquisadora chama de instância "extralegal informal"-ou seja, as quadrilhas de tráfico.
Corine mora há um ano na favela da Rocinha e o estudo fará parte de sua tese de doutorado na Universidade do Texas. Socióloga e especialista em estudos sobre violência, ela apresentou as conclusões iniciais do estudo no 24ª Encontro Anual da Anpocs (Associação Nacional de Pós-Graduação em Ciências Sociais), que termina hoje em Petrópolis (Rio).
Dos oito casos apresentados no encontro da Anpocs, cinco se referiam a conflitos entre vizinhos. Três eram problemas criminais.
Os cinco casos envolvendo conflitos de vizinhança foram resolvidos com a intermediação de instituições como associação de moradores, Região Administrativa ou ONGs instaladas na favela.
Com os problemas criminais, a situação foi diferente. Dois foram resolvidos pela instância "extralegal informal" -o tráfico.
No primeiro deles, um viciado assaltou um morador e ainda queixou-se do assaltado com os traficantes -provavelmente, por ter encontrado pouco dinheiro.
"Como ele tinha contatos regulares com a quadrilha, ou seja, tinha "conceito" entre os traficantes, achou que conseguiria a punição. Mas os traficantes não ficaram do seu lado", conta. Sem ter nenhuma ligação com o tráfico, o assaltado percebeu que, a partir daí, passara a dever "favores" à quadrilha que ficara do seu lado. Mudou-se da Rocinha pouco depois.
No segundo caso, nem mesmo houve uma "queixa formal" aos traficantes. Uma mulher que costumava bater no marido -que mantinha ligações com a quadrilha da área- recebeu um "aviso" de que seria bom parar com os espancamentos, sob risco de ela receber o mesmo tratamento.
"O homem, apesar de não ter se queixado, tinha "conceito" entre os traficantes e por isso recebeu ajuda", explica a pesquisadora.
O terceiro caso acabou na Justiça depois que os traficantes, consultados, disseram que não iriam entrar na questão -que envolvia um policial militar aposentado que dera um soco na cunhada.
Sujeitar o PM ao "castigo" que costuma ser aplicado em casos de agressão a mulheres -uma surra ou, em casos mais graves, até a morte- não foi visto com bons olhos pelos traficantes, já que a decisão poderia desencadear uma operação policial na favela.
Ela recebeu, então, a recomendação dos próprios traficantes para que procurasse a Justiça.
Isso demonstra, diz, que nas questões não-criminais, como discussões por causa da construção de uma parede, a intervenção das quadrilhas vem diminuindo muito e as instituições legais informais, como as associações de moradores, ganham espaço como intermediadores de conflitos.
"O que não exclui a ameaça de "chamar os caras", mesmo que não se tenha a intenção de efetivamente chamar. Em todas as circunstâncias, eles funcionam como um poder regulador", diz.



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