São Paulo, quarta-feira, 26 de outubro de 2005

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SEGURANÇA

Policiais substituem vigias e são acionados por celular quando algum morador vai entrar ou sair de casa; prática é ilegal

Classe média paga PMs para proteger bairro

ALENCAR IZIDORO
DA REPORTAGEM LOCAL

Moradores de classe média da cidade de São Paulo têm contratado policiais militares para a proteção de seus bairros, em substituição aos tradicionais vigias de rua -que, por lei, são obrigados a trabalhar desarmados.
O atendimento, ilegal, é personalizado. Os PMs não ficam parados na rua, como os vigias normais, mas fazem rondas e são acionados por celular quando alguém vai chegar ou sair de casa -e os riscos de assalto crescem.
Os policiais pagos atuam fora do horário de trabalho, mas, segundo alguns moradores, dão uma atenção especial aos bairros mesmo em seu expediente.
O custo -que vai de R$ 50 a R$ 150 por moradia- é atrativo por ser inferior ao cobrado por empresas regulares de proteção de propriedades, muitas vezes contratadas pelas classes mais altas.
A Folha identificou a existência desse esquema em bairros como Saúde, Vila Guarani, Cidade Vargas e Vila Parque Jabaquara, na zona sul, e em ruas de classe média do Morumbi, na zona oeste.
O serviço em Cidade Vargas chegou a ser oferecido por meio de cartas preparadas por uma presidente de Conseg (Conselho Comunitário de Segurança) e distribuídas nas ruas do bairro.
O Conseg, conselho que discute os problemas de violência da região, é definido pela Secretaria da Segurança Pública como uma entidade para apoiar a "Polícia Estadual nas relações comunitárias".
A secretaria é representada em cada conselho comunitário pelo comandante da PM da região e pelo correspondente delegado titular do distrito policial.
Nas cartas, entregues nas portas das casas, a líder comunitária, em nome dos moradores, se dizia cansada dos constantes assaltos, roubos de carro e seqüestros relâmpagos. "A segurança será feita por policiais militares, portanto pessoas experientes na abordagem dos suspeitos", anunciava.
O serviço, hoje por R$ 50, abrange comunicação direta com os PMs por celular. "Mais barato que os despreparados vigilantes" de rua, argumentava a moradora.
Lá, a adesão, em três anos de funcionamento, chegou a 150 residências -de um total de mil- num quadrilátero com 20 ruas, monitorado por carros e motos.

Bico ilegal
O serviço dos PMs é irregular até porque, mesmo que na hora de folga, eles são proibidos de fazer bico. A prática está sujeita à prisão dentro dos quartéis e, em caso de reincidência, até a demissão. O expediente de um policial militar pode variar dependendo da função que exerce, mas, normalmente, é de 12 horas de trabalho por 36 horas de folga.
A prática do bico se torna mais polêmica pelo conjunto de vantagens que agrega. "Quando eles vêem alguém pulando um muro ou algo assim, eles também chamam a polícia. E, pelo fato de ser PM, lógico, ligando para a polícia....", diz Miriam Eboli Bock, presidente do Conseg Jabaquara.
"Tem mais força?", pergunta a reportagem. "Você entendeu, né?", completa a moradora, que diz quase ter sido "linchada" por um grupo de 20 vigias de rua que foram dispensados na região depois da contratação dos policiais.
"O PM é preparado, está acostumado com operações de risco e dá para pagar. Se for contratar uma segurança privada, eles cobram caríssimo, R$ 400 por casa", afirma Bock.
"Eles fazem a segurança na folga. Mas, quando não podem vir naquele horário, vem a viatura deles que está na rua. Ela fica dando cobertura. São amigos, passam aqui toda hora", diz uma mulher da Vila Parque Jabaquara, onde também houve convocação por carta para a vizinhança aderir.
Neste bairro, a proposta de uso dos PMs como vigias foi articulada há três meses, depois que um morador, magistrado do Tribunal de Justiça de São Paulo, foi vítima de cinco assaltos, em 2005, no período de cinco meses -a Folha preserva seu nome porque ele afirma sofrer ameaças em razão do cargo que ocupa.
O magistrado, em um dos assaltos, teve uma metralhadora apontada para a sua cabeça e viu a agressividade dos criminosos contra alguns familiares, segundo relatos de moradores.
O pagamento aos policiais militares na região é feito por 30 casas, incluindo a do magistrado do TJ, que atuou na organização do serviço. O preço inicial foi de R$ 150, mas depois caiu para R$ 100.


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