São Paulo, domingo, 26 de novembro de 2000

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MEDICINA
Equipamentos para tratamento de tumores com radiação diminuem nível de toxicidade e reduzem riscos para tecido sadio
Novos aparelhos ajudam a tratar câncer

CÉLIA CHAIM
DA REPORTAGEM LOCAL

Um senhor do interior de São Paulo, com 70 anos, está entrando para a história do Hospital Sírio Libanês, um dos melhores centros de competência médica do país, pioneiro na implantação da unidade de terapia intensiva, da detecção do vírus da AIDs em exames de sangue e da telemedicina, uma maneira rápida e eficiente de obter uma segunda opinião de um especialista do Memorial Hospital, de Nova York.
Todos os dias, por volta das 10h, aquele senhor alto e esquio é o principal personagem de uma nova era no campo do tratamento de tumores com radiação, uma instalação sofisticada que custou US$ 5 milhões e que, ao leigo, parece coisa de ficção.
O conjunto inclui aparelhos de última geração, todos gerenciados por um software de integração, um dos mais abrangentes sistemas de gestão hospitalar existente na área de oncologia no mundo, administrando desde a admissão do paciente até a completa execução do tratamento.
Segundo a direção do hospital brasileiro, não mais do que 30 centros de saúde no mundo têm esse conjunto, que embute uma técnica avançada e complexa de tratamento com radioterapia, através da qual se esculpe a irradiação aplicada ao tumor.
Chama-se IMTR o coração dessa revolução, sigla de Intensity Modulation Radiation Therapy, um sistema que não só dá a forma do feixe de irradiação como modula a sua intensidade, campo por campo, segmento após segmento. Assim, pode-se atingir doses antes não imaginadas de radiação nos tumores, aumentando a chance de cura e diminuindo a níveis muito baixos a toxicidade, o que reduz ao mínimo os prejuízos nos tecidos sadios.
"O Sírio Libanês está fazendo um investimento forte em tratamento e diagnóstico de câncer", diz o médico Antonio Carlos Buzaid, diretor executivo do Centro de Oncologia do hospital, reconhecido aqui e nos Estados Unidos, onde trabalhou durante anos.
No final de 2001 todo o centro será transferido para um prédio de quatro andares em construção ao lado do hospital, onde os pacientes farão quimioterapia em quartos individuais com o conforto de um hotel e terão acesso ao que há de mais recente no tratamento de câncer.
Buzaid parece estar conectado a um radar que acompanha passo a passo tudo de novo que surge no mundo da oncologia. Atualmente, ele diz, a estratégia mais promissora no tratamento de câncer é a combinação de anticorpos com quimioterapia. Esses anticorpos, chamados "smart drugs", vão atrás dos caminhos por onde circulam as células cancerosas.
Ele cita o exemplo do "myelotag", que age contra leucemias agudas. É uma droga bem recente que é muito útil para 20% a 30% dos pacientes. "Ajuda, ou seja, diminui o câncer, prolonga a vida, mas ainda não cura", diz o especialista.
O armamento de drogas novas efetivamente vem aumentando. "Inclusive para o tratamento quimioterápico", diz o oncologista Wladimir Nadalin, diretor dos serviços de radioterapia do Hospital Oswaldo Cruz e do Hospital das Clínicas, em São Paulo. "Elas trazem uma perspectiva e uma resposta que não existiam há cinco, dez anos", ele diz.
É na radioterapia, porém, que o desenvolvimento dos últimos anos alcança seu apogeu -não por coincidência, justamente a época da grande arrancada da tecnologia digital.
Todos os recursos da nova instalação de radioterapia do Sírio Libanês são integrados num programa de computador que consolida e gerencia as ordens médicas.
Graças ao avanço tecnológico, o sistema permite até 40 graduações da radiação, o que tradicionalmente é feito numa só.
O trabalho é tão preciso que exigiu 150 horas da equipe multidisciplinar do Sírio Libanês, comandada pelo radiooncologista João Luis Fernandes da Silva. "É o must dos últimos 30 anos", diz.
O sistema reduz a possibilidade de falha humana a zero (o técnico não entra na sala) e também reduz o tempo de radiação, da média de 14 minutos para a média de 11 minutos. "Requer um enorme controle de qualidade."
No Hospital Oswaldo Cruz, novos acessórios tecnológicos se agregam aos equipamentos de radioterapia para permitir que o computador reconstrua o tumor de forma tridimensional, marcando as barreiras de proteção aos tecidos normais e dirigindo 100% da radiação para o alvo.
Da mesma forma, o avanço da tecnologia digital vem permitindo que hospitais como o Oswaldo Cruz, entre outros, realizem as chamadas radiocirurgias: são arcos que o aparelho de radioterapia descreve em torno da cabeça do paciente para atingir tumores que não ultrapassem 2,5 centímetros de diâmetro.
Se essas inovações, mais ou menos recentes, não curam completamente, proporcionam melhores condições de vida ao paciente. Indagado pelo médico João Luis Fernandes da Silva sobre seu estado, o senhor de 70 anos que inaugura o novo sistema do Sírio Libanês e tem um tumor na próstata disse que vai muito bem.


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