São Paulo, domingo, 26 de novembro de 2000

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FAMÍLIA
Autora percorreu 8.000 km e ouviu mulheres que conseguiram ou ainda estão tentando engravidar com a ajuda da medicina
Livro descreve a "caça ao filho de ouro"

AURELIANO BIANCARELLI
DA REPORTAGEM LOCAL

Para a maioria das mulheres, o desejo de ser mãe, embalado desde os tempos de menina brincando de boneca, costuma se materializar na chegada de um ou mais filhos. Para um certo número delas, no entanto, o sonho de parir uma pequena criatura pode se transformar em pesadelo.
As descobertas da medicina reprodutiva estão reduzindo cada vez mais esse contingente de mulheres que sofrem por não ter um filho. Mesmo com essa ajuda, o percurso de muitas chega a ser angustiante e dolorido, pontuado por fases de ânimo e depressão.
De acordo com a Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida, a cada ano cerca de 5.000 mulheres tentam engravidar com a ajuda da ciência. Desse total, 60% têm chances de conseguir. As outras continuarão tentando, desistirão ou adotarão um filho.
Entre a decisão de procurar uma clínica de reprodução assistida e a chegada do filho -ou a constatação de que é hora de parar-, podem se passar dez, 20 anos, boa parte dos melhores anos de uma vida inteira.
Cada fase da "caça ao filho de ouro" -termo usado na psicologia para a gravidez buscada a todo custo- é vivida de forma intensa, obsessiva. São essas fases que a jornalista Cláudia Collucci relata no seu livro "Quero Ser Mãe" (editora Palavra Mágica, R$ 29), que será lançado amanhã.
Cláudia, repórter da Folha, 33 anos, sem filhos "por enquanto", percorreu 8.000 quilômetros ao longo de nove meses, ouvindo o relato de 60 mulheres que engravidaram ou continuam tentando engravidar com a ajuda da medicina. Selecionou 30 relatos que pintam com cores fortes um cenário pouco imaginado por aqueles e aquelas que tiveram filhos "naturalmente" -ou que acreditam que vão tê-los. Um dos relatos é o da jornalista Fátima Bernardes, que revela como ela e o marido William Bonner lidaram com a gravidez que não vinha e a chegada de trigêmeos.
Em lugar de "Quero Ser Mãe", o livro poderia se chamar "mulheres obcecadas pelo desejo de ser mãe". Como a empresária Ana Moema, 36, que perdeu trigêmeos nos primeiros dias de vida, que perdeu Mateus -que já vinha de uma fertilização in vitro-, num acidente quando tinha 2 anos e sofreu dois abortos espontâneos em anos de tentativas. Juntando os pedaços, Ana e o marido Silvio adotaram Isabela e, dois anos depois, tiveram Laura, agora com 1 ano. "Às mulheres que me procuram, desanimadas porque já fizeram três tentativas, eu lembro que fiz o dobro. Se não há perspectiva alguma, eu lembro que adotei Isabela, meu tesouro."
Há aquelas que se debatem com o momento de aceitar que "há uma impossibilidade", como diz a psicóloga Renata Aleotti, professora da PUC de São Paulo. "Quando o desejo vira obsessão, o resultado pode ser sofrimento."
A cardiologista Mara, 37, engordou 14 quilos em oito anos de tentativas. "Minha vida é trabalhar, juntar dinheiro e gastar com as tentativas de fertilização."
O livro traz depoimentos de casais que venderam tudo para pagar os tratamentos, de homens que procuraram ajuda médica, de mulheres que choram ao ver um bebê no supermercado e outras que adotaram crianças.
"O filho biológico é transformado no bebê de ouro, muitas vezes com desgaste da relação e custos para a saúde", diz a psicóloga Maria Tereza Maldonado, membro da Academia Americana de Terapia Familiar e autora dos livros "Psicologia da Gravidez" e "Nós Estamos Grávidos" (Editora Saraiva). Para ela, que defende a adoção como alternativa, "o vínculo amoroso entre pais e filhos não depende de laços de sangue."


"Quero Ser Mãe" será lançado amanhã, a partir das 19h, na Siciliano do Shopping Paulista


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