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GILBERTO DIMENSTEIN
Como um assalto vira comédia
Um assalto virou piada
em São Paulo.
Munida de metralhadoras modernas e instrumentos de comunicação, uma quadrilha invadiu,
na madrugada da quinta-feira
passada, um edifício de escritórios na Vila Olímpia -região
onde se concentram as empresas
de alta tecnologia de São Paulo,
especialmente de Internet.
Tudo ia muito bem. Os vigias e
o zelador imobilizados sem necessidade de tiros; o alarme desativado. Do lado de fora, não se
percebia nenhum movimento
suspeito, enquanto os assaltantes
percorriam cada escritório.
Mas sujou. Soldados da Polícia
Militar -armas em punho, sirene ligada- aproximaram-se do
carro dos assaltantes, estacionado em frente ao prédio.
Os bandidos imaginaram-se
descobertos e saíram correndo,
despertando a atenção dos policiais. Assalto frustrado. Graças à
PM? Não exatamente: graças a
outros ladrões.
Os policiais não tinham desconfiado de nada. Chamou a sua
atenção o carro dos assaltantes,
atacado por ladrões atrás de um
toca-fitas, numa falta, digamos,
de solidariedade profissional.
Só o fato de o episódio ganhar o
status de comédia mostra como a
criminalidade entrou na rotina
da cidade.
![](http://www.uol.com.br/fsp/images/ep.gif)
Os números da rotina do crime
em São Paulo foram exibidos oficialmente na semana passada
-poucas horas antes do ataque
dos ladrões que, a julgar pelo ditado, terão cem anos de perdão.
De certa forma, até poderíamos, mesmo que timidamente,
ver motivo para comemorar os
números, lançados pela Secretaria da Segurança de São Paulo.
O número dos crimes mais violentos, como latrocínio (roubo
seguido por morte), teve redução; o das demais delinquências
contra o patrimônio (roubos e
furtos), estabilidade.
Suspeita-se de que algo deva
estar funcionando.
A leitura das estatísticas, porém, dá a exata dimensão da rotina da delinquência e informa
que vamos necessitar de muitos
anos de acertos até que diminua
a tensão nas ruas.
Peguemos o município de São
Paulo, onde moram 10 milhões
de habitantes e existem 5 milhões de automóveis.
![](http://www.uol.com.br/fsp/images/ep.gif)
No trimestre passado, foram
surrupiados 31 mil carros, mantendo o ritmo do ano: 333 por
dia. São 120 mil a cada 12 meses.
Quantas pessoas, no mínimo,
ficam sabendo do roubo de um
carro? Vejamos.
O indivíduo vai compartilhar o
trauma com seus familiares,
amigos próximos e colegas de
trabalho; pelo menos, 50 pessoas.
Encontramos o seguinte: 120
mil vítimas vão contar para 50
pessoas. Resultado: 6 milhões,
mais da metade da população da
cidade. Exagero?
Certamente existem repetições:
gente que foi vítima mais de uma
vez e pessoas informadas várias
vezes sobre vários atentados ao
patrimônio.
Vamos, então, ao extremo. Supondo, agora, que as repetições
reduzissem o resultado para 20%
daquele total. Chegamos a 1,2
milhão: 10 pessoas por veículo.
![](http://www.uol.com.br/fsp/images/ep.gif)
As estatísticas oficiais informam que, sem computar os carros, a cidade de São Paulo sofre
18 mil furtos e roubos por mês.
Usando o cálculo mais modesto -10 pessoas informadas por
crime-, teríamos 180 mil por
mês. No ano, cerca de 2,1 milhões.
Note que estamos falando apenas dos crimes registrados oficialmente, a minoria dos praticados; muita gente não dá queixa por considerar a prática inútil.
Nessa grosseira contabilidade,
vamos ter 3,3 milhões de pessoas
que souberam de um crime contra algum conhecido. O que
transmite a cada uma delas a
sensação de que será a próxima
vítima.
É, portanto, um terço da cidade. E uma fatia ainda maior das
classes média e baixa, nas quais
estão os chamados formadores
de opinião, donos de automóveis
e com patrimônio para ser surrupiado.
![](http://www.uol.com.br/fsp/images/ep.gif)
Quem sabe o leitor continue
achando que estou exagerando.
Mais cortes, então.
Num gesto extremo, corte-se o
resultado para 2 milhões de vítimas, além de seus amigos e familiares, atingidos num ano. Impossível, claro, mas vamos considerar tal hipótese.
Significa que, em cinco anos,
não haverá praticamente um
único habitante desta cidade que
terá escapado de sentir, com
muita proximidade, a violência.
Daí se entende como o assalto
da madrugada da quinta-feira
acabou em piada -e por que as
promessas sobre segurança, durante a campanha eleitoral, deveriam gerar também risos.
![](http://www.uol.com.br/fsp/images/ep.gif)
PS - Nem computei no cálculo o
número de crimes violentos, cujo
impacto sobre a opinião pública
é bem maior. Na capital, são cometidos, por mês, cerca de 400
assassinatos. Apenas um exemplo do impacto: na quinta-feira à
noite, no Colégio Santa Cruz,
reuniram-se 150 pessoas para
discutir como reagir à morte de
Alexandra Salem. A comunidade (alunos, seus irmãos e pais)
em torno daquela escola, onde
estudam os filhos de Alessandra,
compõe-se de cerca de 10 mil pessoas, que, no mínimo, contaram
o ocorrido para mais cem.
Ao lado de sua filha, de 15
anos, Alexandra dirigia, no início deste mês, no Morumbi. Levou um tiro, mas continuou
guiando pela marginal por quase 2 km.
E-mail - gdimen@uol.com.br
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