São Paulo, quinta-feira, 26 de dezembro de 2002

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AMAZÔNIA

Valor da passagem varia de R$ 25 a R$ 300 no porto clandestino; usuário teme acidente, mas não desiste de viajar

Apesar do risco, preço baixo atrai morador

DA AGÊNCIA FOLHA, EM BELÉM E MANAUS

O medo de enfrentar um naufrágio está constantemente na cabeça dos passageiros das embarcações regionais da Amazônia.
Mesmo assim, eles contornam o temor para chegar ao destino com uma passagem um pouco mais barata, mesmo viajando em um barco superlotado, como os que saem do porto Manaus Moderna.
No porto, quem controla a burocracia são os chamados peões, que trabalham para Boizão, o dono do Manaus Moderna. Ele não foi localizado pela Folha.
"Trabalho nessa área [vendendo bilhetes" há sete anos. É o dono do barco que tem o controle de passageiros", disse o peão William Siqueira Lima, 23, que tinha bilhetes para as cidades de Tefé e Santarém. Nesse trecho, uma passagem pode custar de R$ 25 a R$ 300, se o passageiro viajar numa suíte -um camarote com banheiro. O camarote simples custa R$ 250. Por um lugar para a rede, que o passageiro leva para atar no convés, paga-se até R$ 80.
Edith Duarte de Oliveira, 50, gastou R$ 585 pelas passagens [R$ 80 cada" dela e dos dois filhos, Maciel, 17, e Otávio, 15, e pelo transporte da sua mudança para Fortaleza. "Eu fico muito nervosa quando penso nos naufrágios, mas não há outro meio para eu viajar", disse. De Belém, Edith pegaria um ônibus até Fortaleza. A outra alternativa seria viajar de avião, pagando até R$ 1.017.
No barco Almirante Azevedo, o comandante não forneceu à reportagem o total de passageiros, da carga, como também não quis se identificar. Mas era notória a superlotação da embarcação -passageiros disputavam no grito um lugar para atar a rede.
Os comandantes negam haver riscos. Há 30 anos no ramo, Amadeu Gonzaga, 48, faz papel de capitão, prático e conferente do barco Pai João, que faz a rota Nova Olinda-Borba (AM), na região do rio Madeira. "Nos dois naufrágios que aconteceram comigo, ninguém morreu. Só morre se acontecer descuido", disse Gonzaga, que ganha R$ 300 mensais.
Descuido ou não, sobreviventes do naufrágio do Dom Luiz 15-1º não tiram da lembrança o dia da tragédia. A dona-de-casa Elcilene dos Santos, conseguiu salvar o bebê Jefferson, de três meses, após ter sido atirada no rio.
"Usei um pedaço de tábua para deitar a criança enquanto esperava socorro. Fiquei cinco horas na água à espera de ajuda", disse.
Os familiares viveram o drama da procura pelos desaparecidos na praia do rio Pará, em Barcarena. Mortos foram resgatados diariamente. Apesar disso, os familiares esperançosos permaneciam aguardando nas margens do rio. As buscas já foram encerradas e totalizaram 44 mortos.
A estudante Ana Regina, 24, procurava pela mãe Joselina Alves, 57 ."Vivo uma angústia diária à espera de notícias da minha mãe, que não apareceu na lista de sobreviventes. Ela iria passar o Natal em Belém", disse.


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