São Paulo, domingo, 26 de dezembro de 2010

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Tela crente

Igreja evangélica instala TVs de LCD em celas de uma prisão em Belo Horizonte, mas diretor da unidade só permite que os detentos vejam programas de emissoras religiosas

Victor Schwaner/Nitro
TV de LCD em cela de MG; quase toda programação é dedicada a canal de igreja evangélica que doou os aparelhos

RODRIGO VIZEU
DE BELO HORIZONTE

Uma das principais denominações evangélicas de Belo Horizonte, a Igreja Batista da Lagoinha, bancou a instalação de TVs LCD de 32 polegadas em todas as celas de uma prisão da cidade.
Os aparelhos ficam praticamente o tempo todo sintonizados na emissora da igreja, a Rede Super.
Os presos do Ceresp (Centro de Remanejamento do Sistema Prisional) São Cristóvão não têm a opção de desligar a TV -no máximo podem tirar som e brilho na hora de dormir- e o controle de canais é feito na sala do diretor, Luís Fernando de Sousa, membro da igreja.
Em funcionamento desde 3 de outubro, o sistema é considerado um sucesso pelo governo mineiro, que o está levando para outras unidades.
Segundo Sousa, as TVs levam tranquilidade às dez celas do local e deixam os detentos "amparados espiritualmente". Ele disse que a igreja propôs a instalação.
"Você chega na cela e está todo mundo quietinho, de olho na TV. Mudam a forma de conversar, falam "bom dia, senhor diretor, tudo bem?" É gratificante."
O diretor contou que a Rede Super fica no ar "24 horas, praticamente". A preferência, disse, não foi imposição da igreja, mas escolha "natural", já que a Rede Super não tem "pornografia nem apologia ao crime". O canal exibe os cultos da igreja.
Ele disse que abre espaço para as emissoras católicas Rede Vida e Canção Nova e, recentemente, para a TV Justiça e para um canal educativo. Um preso disse à Folha, porém, que são raros os momentos sem a Rede Super.
Sousa descartou exibir outros canais por terem "muita droga e crime" e passarem programação "não salutar".
Outro argumento é que o Ceresp é um centro de triagem e os presos costumam ficar lá só cerca de uma semana. "É o tempo que tenho para plantar a semente", disse.
Sousa guarda em sua sala uma coleção de DVDs que exibe para os presos, por passarem "mensagem boa".
São filmes bíblicos na maioria, mas também sobre vida animal e sucessos como "À Espera de Um Milagre", que se passa em uma prisão e emocionou os detentos, de acordo com Sousa.
"O cara está preso e vou passar "Fuga de Alcatraz'?"

MULHER NUA E GUGU
O diretor disse que só tem ouvido elogios, mas, ao visitar o local, a Folha viu que o projeto não é unanimidade.
O preso Marcelo Corrêa disse sentir falta de poder mudar de canal: "Queria ver o que acontece no mundo".
O Ceresp abriga presos célebres, como Sérgio Sales (primo do goleiro Bruno), Thales Maioline (chamado de "o "Madoff mineiro") e membros da torcida organizada Galoucura, do Atlético-MG, suspeitos de matar um torcedor do Cruzeiro.
Roberto Augusto Pereira, o Bocão, presidente da Galoucura, disse sentir falta de assistir a notícias e jogos de futebol. "Mas já adianta para passar o tempo", afirmou.
Entre os satisfeitos com a programação evangélica está Denison Balbino, preso sob suspeita de tráfico de drogas, que disse ter se reencontrado com a religião graças à TV.
"A religião é um fator de refreio social. A gente aprende isso em sociologia", afirmou o diretor Sousa.
Ele rechaça ceder aos apelos de liberar a programação. "Eles não têm instrução, não estão preparados para escolher o que é bom, vão querer ver programa com mulher nua e o do Gugu", afirmou.
Sousa disse não acreditar que restringe a liberdade dos presos e que faz o mesmo que prisões que obrigam os detentos a trabalhar ou estudar.
O subsecretário de Administração Prisional de Minas, Genilson Zeferino, disse que a parceria com a igreja é "fantástica" e que as TVs são uma "peça fundamental na humanização" dos presos.

"ABSURDO"
O juiz Márcio Fraga, do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), disse considerar "imprópria e absurda" a medida. Apesar de afirmar que as TVs podem tranquilizar os presos, ele lembrou que o Estado brasileiro é laico.


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