São Paulo, domingo, 26 de dezembro de 2010

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GILBERTO DIMENSTEIN

Está nascendo a era dos educadores


O sucesso tem um preço: logo as pessoas esquecem os benefícios adquiridos e passam a querer mais


UMA FACULDADE, em São Paulo, decidiu oferecer aulas de madrugada, terminando às 2h. Isso por uma simples razão de mercado: o horário atendia aos desejos de trabalhadores que queriam o diploma, mas não tinham horário para estudar.
Já há cursos de graduação que não aceitam a matrícula de alunos com menos de 24 anos. Os mais velhos, mais responsáveis, muitos deles casados ou com filhos, não querem garotada "zoando" em sala.
É comum ver LAN houses na periferia usadas por quem faz cursos a distância. Para quem tem pouco tempo e dinheiro, o computador conectado à internet passa a ser a esperança de um salário melhor.
Esses três fatos são simbólicos da nova agenda brasileira, que a presidente Dilma Rousseff terá de enfrentar. Está vindo uma classe média mais escolarizada e crítica, com demandas cada vez mais sofisticadas e difíceis de atender.
Essa nova agenda vai gerar áreas de pressão para a presidente Dilma, que já recebe uma terrível herança: as expectativas criadas pelo presidente Lula.

 


Segundo o Datafolha, 83% dos brasileiros esperam que ela faça um governo igual ou melhor do que o do antecessor. A frustração, pelo menos a curto prazo, será inevitável. A situação fica ainda mais delicada quando Lula sugere que poderia estar disposto a voltar.
Independentemente do fator Lula e mesmo da necessidade de pôr as contas públicas em ordem, há uma mudança no padrão de expectativas do brasileiro.
Atribuiu-se parte do sucesso e do prestígio de Lula à distribuição de recursos diretamente às famílias. De fato, ele ampliou o que recebeu do governo anterior e soube fazer disso uma notável obra de comunicação. Existe, porém, um segmento urbano que, vivendo nas periferias das grandes cidades, pouco tem a ver com o assistencialismo. É beneficiário do crescimento econômico e dos aumentos salariais, mas sabe que sua prosperidade depende da qualidade de seus diplomas.
Colecionei uma série de pesquisas, realizadas pelos mais diferentes institutos de opinião, algumas delas voltadas a entender os novos consumidores, que trazem sempre a mesma mensagem: o valor crescente do conhecimento. Basta lembrar que, segundo o Datafolha, a educação se transformou em uma das três prioridades da população. No Sudeste, onde estão as metrópoles, a tendência é especialmente forte.

 


O Brasil tem um imenso gargalo no ensino médio, o segmento educacional mais vulnerável do país. Os cursos técnicos são escassos; as vagas em faculdades públicas, limitadas. O nível geral das faculdades privadas ainda é lamentável, como mostram indicadores oficiais.
A tendência é a universalização do ensino médio e, com isso, mais gente informada, com mais expectativa e mais crítica. É o que se vê no adulto enfiado numa LAN house fazendo um curso a distância.

 


É inevitável que, nessa mistura de democracia com melhoria da escolaridade, aumente a percepção da distância entre o que se paga de imposto (mais de quatro meses de trabalho por ano) e o que se recebe como serviço. Mais que a corrupção, vão sobressair a falta de eficiência, o desperdício, os descalabros de gestão e o corporativismo doentio.
O imenso valor do Bolsa Família está em pôr o dinheiro diretamente nas mãos das famílias, quase sem intermediação. É bem mais simples do que melhorar o sistema de saúde ou oferecer educação de qualidade, avanços que exigem complexos e demorados sistemas de gestão.

 


Não dá para não reconhecer que o Brasil melhorou inclusive na educação. Mas o sucesso tem um preço. Logo as pessoas esquecem os benefícios adquiridos e querem mais.
Dilma terá de lidar com a expectativa deixada por Lula, mas a regra vale para todos os governantes que agora tomam posse: eles serão avaliados com mais dureza e terão de oferecer soluções mais engenhosas.
É provável que sejam avaliados pela habilidade de melhorar a autonomia dos cidadãos, ou seja, de aumentar a qualidade do que as pessoas aprendem para ter um projeto de prosperidade. É por isso que um trabalhador se dispõe a fazer um curso superior de madrugada.

 


PS - Já houve diferentes grupos no poder: bacharéis, militares, economistas. A próxima década será a era dos educadores -e uma coisa útil a fazer será aprovar uma lei da responsabilidade educacional, que puna, com pesadas multas, todos os níveis de governo que não cumprirem suas obrigações educacionais.

gdimen@uol.com.br


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