São Paulo, sábado, 26 de dezembro de 1998

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LETRAS JURÍDICAS
98 tumultuado

WALTER CENEVIVA
da Equipe de Articulistas

A mística irresistível do limiar do fim do milênio inspirou a primeira coluna deste ano e tende a se repetir, até 2001, quando termina o século 20. Extrair uma súmula dos dias de 98, filtrados por meio do olho jurídico aberto nesta coluna, é tarefa dificultada pelas tumultuárias transformações sociais e científicas pelas quais passa o mundo, que o direito tem dificuldade em absorver. Correm paralelamente e cada vez mais fortes os obstáculos para distinguir o joio do trigo, fazer opções e criar prioridades num período no qual predomina, no jurídico, a linguagem que o expressa, sobre o justo que o deveria caracterizar. O exercício do pensar, no escrever este comentário durante 20 anos, sem interrupção, começou em 13 de agosto de 1978.
A maior frustração jurídica de 98 foi a persistência das dezenas, centenas, milhares de medidas provisórias, tornando incerto o direito a que se referem, tantas suas repetições, muitas das quais com pequenas mudanças. Tornam impossível, ou quase, o controle da lei em vigor. Tomo o exemplo da lei que dispôs sobre a remoção de órgãos. Uma medida provisória a mudou, para impor a prévia autorização da família. Vale? Não vale? Até quando valerá? foram perguntas feitas. Coisas sérias, como o estabelecimento de regras relativamente permanentes no direito eleitoral e no direito privado (o Código Civil aguarda há mais de 30 anos sua atualização) não despertam interesse nem ao Executivo nem ao Legislativo.
Bill Clinton e suas complicações sexuais ecoaram nas infrações dos direitos da privacidade e dos "grampos" telefônicos. Ronaldinho -por interesses não explicados- acabou exposto a escândalo que ofende (até num futebolista famoso) o mínimo de intimidade que todos devem ter. A intimidade cirúrgica do governador Mário Covas foi reduzida a zero.
O ano proporcionou temas explosivos. Direitos de casais homossexuais, quanto ao patrimônio comum, formado pelo esforço conjunto, chamaram atenção, mas ainda não foram resolvidos. A mudança de nomes, porém, se tornou possível com o novo art. 58 da Lei dos Registros Públicos. Roberta Close vai poder resolver o velho problema de se chamar Luiz. A imunidade parlamentar foi agitada no caso do deputado Sergio Naya. Apesar do mau exemplo dele, a imunidade é boa e deve ser mantida. Merece limites nos debates divulgados pela televisão pública.
Globalização, no direito, corresponde às pressões das nações fortes, para obterem unificação legislativa, a contar de suas próprias regras. No nível interno, a agitada revolução constitucional passou pela implementação da reeleição, pelos altos e baixos das outras reformas, com raros momentos de independência decisória do Legislativo.
Violência urbana, prisões superlotadas, criminalidade crescente foram acompanhadas por mudanças de ocasião, nas leis penais. O Judiciário continua lento, mas um dos pontos altos do ano foi a Justiça Eleitoral, massificando com sucesso a urna eletrônica. Lamente-se, quanto aos advogados, que a qualidade profissional não acompanhe a grande quantidade.
O Ministério Público teve maior força de intervenção, complicada pela falta de material humano, sem falar nas intervenções movidas pelas lâmpadas da televisão. Só em São Paulo há menos de 2.000 promotores para mais de 30 mil de paulistas, em mais de 500 municípios.
Direitos humanos e Ato Institucional nº 5 foram os aniversários de dezembro. A esperança é que tenhamos mais daqueles e nenhum deste. O que houve, já basta.



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