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LETRAS JURÍDICAS
98 tumultuado
WALTER CENEVIVA
da Equipe de Articulistas
A mística irresistível do limiar do fim do milênio inspirou a primeira coluna deste
ano e tende a se repetir, até
2001, quando termina o século 20. Extrair uma súmula dos
dias de 98, filtrados por meio
do olho jurídico aberto nesta
coluna, é tarefa dificultada
pelas tumultuárias transformações sociais e científicas
pelas quais passa o mundo,
que o direito tem dificuldade
em absorver. Correm paralelamente e cada vez mais fortes
os obstáculos para distinguir
o joio do trigo, fazer opções e
criar prioridades num período no qual predomina, no jurídico, a linguagem que o expressa, sobre o justo que o deveria caracterizar. O exercício
do pensar, no escrever este comentário durante 20 anos,
sem interrupção, começou em
13 de agosto de 1978.
A maior frustração jurídica
de 98 foi a persistência das
dezenas, centenas, milhares
de medidas provisórias, tornando incerto o direito a que
se referem, tantas suas repetições, muitas das quais com
pequenas mudanças. Tornam
impossível, ou quase, o controle da lei em vigor. Tomo o
exemplo da lei que dispôs sobre a remoção de órgãos. Uma
medida provisória a mudou,
para impor a prévia autorização da família. Vale? Não vale? Até quando valerá? foram
perguntas feitas. Coisas sérias,
como o estabelecimento de regras relativamente permanentes no direito eleitoral e
no direito privado (o Código
Civil aguarda há mais de 30
anos sua atualização) não
despertam interesse nem ao
Executivo nem ao Legislativo.
Bill Clinton e suas complicações sexuais ecoaram nas infrações dos direitos da privacidade e dos "grampos" telefônicos. Ronaldinho -por interesses não explicados- acabou exposto a escândalo que
ofende (até num futebolista
famoso) o mínimo de intimidade que todos devem ter. A
intimidade cirúrgica do governador Mário Covas foi reduzida a zero.
O ano proporcionou temas
explosivos. Direitos de casais
homossexuais, quanto ao patrimônio comum, formado
pelo esforço conjunto, chamaram atenção, mas ainda não
foram resolvidos. A mudança
de nomes, porém, se tornou
possível com o novo art. 58 da
Lei dos Registros Públicos.
Roberta Close vai poder resolver o velho problema de se
chamar Luiz. A imunidade
parlamentar foi agitada no
caso do deputado Sergio Naya. Apesar do mau exemplo
dele, a imunidade é boa e deve ser mantida. Merece limites nos debates divulgados pela televisão pública.
Globalização, no direito,
corresponde às pressões das
nações fortes, para obterem
unificação legislativa, a contar de suas próprias regras. No
nível interno, a agitada revolução constitucional passou
pela implementação da reeleição, pelos altos e baixos das
outras reformas, com raros
momentos de independência
decisória do Legislativo.
Violência urbana, prisões
superlotadas, criminalidade
crescente foram acompanhadas por mudanças de ocasião,
nas leis penais. O Judiciário
continua lento, mas um dos
pontos altos do ano foi a Justiça Eleitoral, massificando
com sucesso a urna eletrônica.
Lamente-se, quanto aos advogados, que a qualidade profissional não acompanhe a
grande quantidade.
O Ministério Público teve
maior força de intervenção,
complicada pela falta de material humano, sem falar nas
intervenções movidas pelas
lâmpadas da televisão. Só em
São Paulo há menos de 2.000
promotores para mais de 30
mil de paulistas, em mais de
500 municípios.
Direitos humanos e Ato Institucional nº 5 foram os aniversários de dezembro. A esperança é que tenhamos mais
daqueles e nenhum deste. O
que houve, já basta.
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