São Paulo, quarta, 27 de janeiro de 1999

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JUSTIÇA
Juiz aceitou argumento de que acusados sofreram cerceamento de defesa em julgamento por estupro de estudante
Decisão do STF impede prisão de Paiakan

ABNOR GONDIM
da Sucursal de Brasília

O presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Celso de Mello, concedeu ontem liminar que impede a prisão do chefe indígena Paulinho Paiakan, da aldeia A-Ukre (sudeste do Pará).
A liminar suspende a expedição de mandado de prisão contra Paiakan e sua mulher, Irekran. Eles foram condenados em dezembro, pelo Tribunal de Justiça do Estado, por crime de estupro contra a estudante Sílvia Letícia da Luz Ferreira, em junho de 92.
Paiakan foi condenado a seis anos de prisão em regime fechado como índio emancipado e autor da agressão sexual. Irekran, considerada em "fase de aculturação", foi condenada como co-autora a seis anos em regime semi-aberto.
A estudante, que tinha 18 anos na época, teria sido agredida pelo casal após um churrasco promovido por Paiakan em uma chácara na periferia de Redenção (PA).
Celso de Mello aceitou os argumentos dos advogados de Paiakan de que ele e sua mulher sofreram cerceamento de defesa porque só tiveram direito a um advogado de defesa nomeado pela Justiça em Redenção. Em 94, eles foram julgados e absolvidos pelo juiz local, apesar de um ter acusado o outro do crime.
A agressão teria ocorrido no banco traseiro do carro de Paiakan. Em seu depoimento, o chefe indígena disse que ele e Irekran estavam bêbados. Ela teria tido ciúmes de Letícia, convidada por ele para ir ao churrasco, e o teria obrigado a ter relações sexuais com a estudante no banco traseiro do carro dele.
O casal permanecerá em liberdade, de acordo com a liminar, até o julgamento pelo STF do pedido de anulação do processo judicial, apresentado pelos advogados Luís Francisco Carvalho Filho e Maurício Araújo.
"A nomeação de um só defensor técnico para acusados que apresentem teses conflitantes compromete o direito de defesa e frustra a eficácia do princípio constitucional no qual ele tem assento, gerando, em consequência, irremissível (inevitável) nulidade processual", afirma o presidente do STF.
Se não houvesse a decisão do STF, o mandado de prisão contra os índios poderia ser expedido a partir de amanhã. Segundo os advogados, não há no processo laudo antropológico sobre o nível de aculturação de Paiakan. Além disso, dizem eles, o caso deveria ser apreciado pela Justiça Federal por envolver direito indígena.
O processo contra Paiakan teve repercussão mundial. Na época do crime era realizada no Rio a conferência mundial sobre meio ambiente ECO-92. Nos anos 80, Paiakan organizou o 1º Encontro dos Povos Indígenas contra a construção de hidrelétrica no Pará e recebeu o prêmio Global 500, da ONU.



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