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MARILENE FELINTO
Os gravatas
É assim que prisioneiros ligados ao PCC (Primeiro Comando da Capital), a organização criminosa que atua nos presídios de São Paulo, chamam as
autoridades: "os gravatas".
Claro que o apelido se deu por
oposição: o uniforme dos presos é
bem outro, todos deitados no
chão para a revista da tropa de
choque, todos nus, vestindo apenas uma cueca. Nudez é coisa de
pré-história, coisa de homem incivilizado.
Gravata é poder, e pênis, símbolo fálico por excelência -e já foi
sinônimo de respeito. Hoje nada
significa. Os homens usam não se
sabe por quê.
A gravata e sua parelha, o terno, são a expressão da falta de
originalidade proposital -não
deixa de ser um uniforme, uma
espécie de fantasia que veste um
exército de burocratas, todos
iguais, enfronhados em papéis e
arrazoados inúteis, alheios ao significado da vida real.
Estavam de terno e gravata, por
exemplo, os três militares sérvios
da Bósnia julgados no dia 22 último pelo tribunal de crimes de
guerra em Haia, na Holanda. Os
três foram considerados culpados
de torturar e estuprar meninas de
12 e 15 anos de idade na guerra da
Bósnia (1991-95). Foi o primeiro
julgamento em que abusos sexuais foram qualificados como
crime contra a humanidade.
Esses criminosos estavam de
terno e gravata para quê? Para
impor respeito? Para demonstrar
respeito pelos outros homens de
gravata no tribunal?
No universo dos presídios, "gravatas" são os advogados, os juízes, os políticos e seus secretários.
Todos muito cobertos, protegidos.
Certamente os presos, nus, enxergam o terno e a gravata (de origem inglesa, se não me engano)
como uma fantasia cínica que a
autoridade criou e usa para se esconder, se mascarar, se diferenciar do populacho encarcerado.
Os gravatas de Brasília é que
deram um show de falta de respeito na semana passada: delações, denúncias, acusações mútuas de corrupção, grampos. O senador Antonio Carlos Magalhães
chamou o ministro dos transportes de "Eliseu Quadrilha" (em vez
de Padilha). Afirmou que basta
quebrar o sigilo de Eduardo Jorge,
ex-assessor de não-sei-quê de Fernando Henrique Cardoso, para se
chegar ao próprio presidente. Disse ainda que teria a lista de todos
que votaram (em voto supostamente secreto e eletrônico) contra
ou a favor do ex-senador cassado
Luiz Estevão. E acusou a senadora Heloísa Helena (PT-AL) de ter
votado a favor de Luiz Estevão a
pedido de Renan Calheiros
(PMDB-AL). A senadora chamou
ACM de "canalha" na TV. E todos usam terno e gravata, com exceção da senadora, mulher a
quem, como sempre, cabe o papel
de "traidora" no fim da história.
Por falar em máscaras, Carnaval tem, definitivamente, um
quê de manifestação cultural cafona e medíocre. No Rio de Janeiro, o cantor brega-romântico Elimar Santos é que inaugurou domingo o desfile do sambódromo:
todo de branco, cantando num
carro de som, e a platéia acenando lenços brancos. Era uma manifestação de paz. Que paz? Depois entrou na passarela o supra-sumo da cultura inútil: Silvio
Santos e sua turma.
E Carnaval é a época em que fazem a concessão de enfiar negros
na TV, nas colunas sociais das revistas, dos jornais. E é também a
única época em que distribuem
camisinhas grátis, a torto e a direito, como se fosse uma obrigação fazer sexo nesses dias, ou como se não se fizesse no resto do
ano.
Ouvi dizer em algum lugar que
estão querendo acabar com o terno e a gravata. Podiam acabar
também com o Carnaval.
E-mail: mfelinto@uol.com.br
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