São Paulo, sexta-feira, 27 de fevereiro de 2004

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BARBARA GANCIA

Italianos também sambam com as mãos

A Sociedade Rosas de Ouro trouxe arte e poesia para me ver sambar.
Caí no desfile do Sambódromo de São Paulo levada pela mão bondosa e paciente do empresário Hélcio Binelli, que dedicou a mim o tipo de atenção que se teria com uma turista sueca encontrada andando a esmo e falando sozinha na Freguesia do Ó.
Hélcio comanda o bloco Salseiro, na Rosas de Ouro, e me forneceu o kit-samba completo, guarnecido de crachá para freqüentar os ensaios, fantasia de colhedora de café, CD com o samba-enredo e credenciais para o camarote e para as vans que fazem a circulação no sambódromo.
Do pacote constava também um folheto de instruções, com recomendações para narcisistas ("Nunca pare na pista para acenar às câmeras"), para acalorados ("Nunca desfile com o chapéu de sua fantasia na mão") e para arruaceiros ("Nunca faça gestos obscenos para a torcida").
Na semana anterior ao Carnaval, passei todo o tempo livre tentando decorar o raio do samba-enredo, que contava a história de São Paulo em versos intermináveis. Achei que o tinha na ponta da língua, mas, assim que nossa ala começou a se deslocar em direção à avenida, não sei se foi a garoa cricri que caía naquele momento ou se a visão de um mar de sandálias arrebentadas e abandonadas pelos foliões ao longo do asfalto (devo ter visto mais de 20 pares), mas algo me transtornou. Dali até o final do desfile, troquei sistematicamente "garoa" por "lagoa" e "ecoou" por "magoou".
Foi só entrar no calor do samba para que o sujeito ao meu lado, um branquelo tão desajeitado quanto eu, descobrisse uma faceta minha que, até então, eu também desconhecia: além de falar com as mãos, italianos sambam com as mãos.
A cada passo que eu dava -paft!-, metia uma enorme peneira de palha no nariz dele. O camarada foi se irritando até me dar um empurrão, o que me fez derrapar numa poça e ver a alça de minha sandália voar.
A esta altura, convido o leitor folião a se colocar no meu lugar: chove e o diretor da sua ala é um argentino com cara de torcedor do Estudiantes de la Plata. Você esqueceu o samba, o sujeito ao seu lado está com bronca de você e, mancando, você começa a se sentir vencido pelo cansaço.
Parece tortura elaborada pela Stasi, não parece? Pois aí é que repousa a tal da magia do Carnaval. Entorpecida e pingando de chuva e suor, terminei o desfile num sorriso só, achando tudo ma-ra-vi-lho-so!

QUALQUER NOTA

Dá na mesma
Falei bobagem ao dizer que era aberração colocar os suspeitos da Operação Anaconda na mesma carceragem. Os advogados dos envolvidos se reúnem e simulam todas as acareações a que seus clientes serão submetidos.

Ortodoxo
Duvido que a "Paixão de Cristo", de Mel Gibson, incite ódio contra judeus. Mas vale lembrar que ele é pai de sete filhos e condena o uso da camisinha.

Já vi esse cara
Esta é para viciados no seriado "24 Horas": o vilão Salazar é feito pelo ator português Joaquim de Almeida, o Sherlock Holmes de "Xangô de Baker Street".

E-mail - barbara@uol.com.br
www.uol.com.br/barbaragancia


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