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SAÚDE
Antes de o STF derrubar liminar que liberava intervenção para fetos sem cérebro, decisão saía em apenas cinco dias
Autorização para aborto demora até 1 mês
DA REPORTAGEM LOCAL
Quase cinco meses após o STF
(Supremo Tribunal Federal) derrubar liminar que liberava o aborto nos casos de fetos com má-formação grave, como a anencefalia
(sem cérebro), as mulheres estão
demorando até um mês para conseguir autorização judicial para a
interrupção da gravidez. Antes do
imbróglio jurídico, a decisão saía
em cinco dias úteis, segundo os
profissionais que atuam em serviços de aborto legal.
A liminar, que descriminalizava
o aborto em casos de fetos anencéfalos, havia sido concedida em
julho do ano passado pelo ministro Marco Aurélio de Mello, atendendo a ação protocolada pela
CNTS (Confederação Nacional
dos Trabalhadores na Saúde), e
foi derrubada em outubro.
A discussão jurídica confunde
até os médicos. Conforme a pesquisa da Febrasgo, um terço deles
acredita que a lei não pune esse tipo de aborto. Para o médico Aníbal Faúndes, o erro pode ser explicado pela alta freqüência de autorizações judiciais para realizar a
interrupção.
Segundo Anaelise Riedel Abrahão, professora adjunta do departamento de enfermagem da Unifesp (Universidade Federal de São
Paulo), os juízes estão mais exigentes e, não raras as vezes, pedem novos documentos e explicações à equipe médica.
"Os juízes não têm uma posição
clara sobre isso. Mas depende do
fórum. Há locais em que as decisões são mais rápidas", afirma o
médico Jorge Andalaft Neto,
coordenador do serviço de aborto
legal do hospital do Jabaquara.
O desembargador Celso Luiz Limongi, presidente da Associação
Paulista dos Magistrados, diz que
não há demora. "O trâmite nesses
casos é bem rápido", diz. Para ele,
"um mês é um prazo razoável".
Na avaliação do médico Andalaft Neto, quatro semanas na idade gestacional da mulher fazem
diferença na hora do tratamento.
Ele explica que, em geral, as mulheres descobrem a má-formação
fetal por volta da 12ª semana, período em que ainda é possível fazer a curetagem e a aspiração uterina com segurança. Depois disso,
o aborto é induzido com misoprostol (Cytotec), droga que provoca contrações, mas que parou
de ser vendida no país há um ano.
Anaelise Abrahão, que coordena o setor de aconselhamento genético do hospital São Paulo, ligado à universidade, diz que a demora na decisão judicial também
leva a mulher a desistir do aborto.
"Elas ficam descrentes, acham
que não vão conseguir a autorização e desaparecem do serviço."
Segundo a enfermeira, 60% das
mulheres que geram um bebê
anencéfalo ou com outra má-formação grave decidem manter a
gravidez. Algumas das razões são
apego ao feto, crença de que o
problema pode ser revertido ou
ainda sentimentos de cuidado.
De acordo com Andalaft Neto,
levar a gravidez de um feto anencéfalo até o fim pode levar a gestante a sofrer doença hipertensiva, além de o parto ser mais difícil.
A assistente administrativa Andréia Pereira de Oliveira, 30, está
entre a minoria de mulheres que
decidiram pela interrupção da
gravidez. Em dezembro último,
ela soube que o tão sonhado bebê
era portador de uma doença rara,
que impede a sobrevivência, chamada pentalogia de Cantrell. O feto tinha a parede torácica aberta,
com todos os órgãos expostos.
"Foi um choque, mas, desde o
primeiro momento, decidi pelo
aborto", afirma. A autorização judicial saiu no dia 18 de janeiro e,
no último dia 1º, ela foi internada.
Durante nove dias, Andréia usou
o medicamento Cytotec, sob supervisão médica, para estimular
contrações e provocar o aborto,
que ocorreu nove dias depois. Estava na 21ª semana de gestação.
Ela recebe apoio psicológico na
Unifesp, mas ainda se sente deprimida. "É um martírio cada vez
que algum desavisado pergunta
sobre o bebê", conta.
Os médicos desconhecem a razão da má-formação do feto e
quais as chances de Andréia voltar a gerar um bebê inviável, como é chamado aquele que não
tem chance de sobreviver.
(CC)
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