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DANUZA LEÃO
Minha amiga querida
Era uma amiga maravilhosa;
aquela que se alegrava com
minhas alegrias, aceitava todas
as loucuras -e ria delas- e sofria junto quando era para sofrer.
Morávamos em países diferentes, e nem nos comunicávamos
tanto assim, mas quando nos encontrávamos, era tudo igual, como se o tempo não houvesse
passado. Foi assim durante muitos anos.
Ela não estava bem, mas como
se queixava de tudo, sempre, mesmo quando não havia nenhuma
razão para isso -e eu achava
graça-, nunca achei que fosse
sério. Mas há uns meses uma
amiga telefonou e perguntou: "É
verdade que Bombom morreu?"
Foi um choque, e nunca pensei
que fosse tão covarde -ou que tivesse tanto medo de sofrer. Não
consegui pegar o telefone e ligar
para saber, até porque já sabia
que essas notícias não chegam assim, de graça. Tempos depois, outra amiga ligou fazendo a mesma
pergunta, e o número de seu telefone me veio imediatamente à
memória: 4504-3148.
Eu sempre acho que tenho um
método para não sofrer -chega.
Na hora penso que a vida é assim
mesmo, que faz parte, que é melhor não pensar, sobretudo porque não teria com quem dividir
essa dor. Os amigos são outros,
nenhum deles entenderia que a
ligação entre nós duas passou por
casamentos, paixões, alegrias,
tristezas; seria impossível
explicar. Deixei o tempo passar e
até me achei fria, tal a aparente
indiferença com o desaparecimento de alguém que significou
tanto para mim durante tantas
fases da vida.
Meses se passaram, e viajei para
a cidade onde ela morava. Quando entrei no quarto do hotel, foi
automático: a primeira coisa em
que pensei -como sempre,
aliás- foi ligar para ela. O número de telefone estava fresco na
cabeça, mas não tive coragem.
Passei dois ou três dias até que
um dia liguei; na verdade, já sabia o que ia acontecer: o telefone
não respondeu. Foi muito ruim.
Não há religião, conhecimento
de vida, nada, rigorosamente
nada, que explique que um dia
existia uma pessoa de carne e osso, às vezes alegre, às vezes triste,
que falava, com quem você trocava idéias, e que de repente, de
um dia para o outro, essa pessoa
não existe mais. Mas como, não
existe mais?
E as confidências, as experiências compartilhadas, a lembrança
de tudo que vivemos juntas, então
nada existe mais? Onde foi parar
tudo isso? Só na minha memória?
Tem sido, além de doloroso, incompreensível. Onde está minha
amiga que gargalhava comigo,
que participou de tantos acontecimentos importantes de minha
vida -e eu da dela-, que estava
sempre lá, feliz porque eu havia
chegado, sempre se queixando de
alguma coisa e eu rindo de suas
queixas?
Quando uma pessoa muito querida desaparece, a gente também
morre um pouco; sei que o sofrimento vai melhorar, um dia vai
até passar, mas todas as vezes que
eu viajar para sua cidade vou, automaticamente, querer ligar para
ela, sem precisar pegar a agenda
para saber do número: 4504-3148.
Mas a vida é cruel: um dia vou
esquecer desse número. Vou ter
muitas saudades dela durante
muito tempo, mas essa saudade
vai diminuir, até ser uma lembrança menos sofrida.
As dores diminuem; é injusto,
mas é assim que as coisas são, e só
por elas serem assim é que conseguimos continuar a viver.
E-mail - danuza.leao@uol.com.br
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