São Paulo, Sábado, 27 de Fevereiro de 1999
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LETRAS JURÍDICAS

Corrupção organizada

WALTER CENEVIVA

da Equipe de Articulistas

Pessoas que denunciaram a chamada máfia municipal têm sido vítimas de atentados, sugerindo que irregularidades no submundo da administração do município são mais antigas e mais graves do que se pensava. Para compreender os fatos recentes em São Paulo, deve-se saber que corrupção é crime de duas faces. Acontece quando o servidor público solicita ou aceita vantagem indevida em razão do cargo ou quando o particular lhe oferece vantagem ilegal para que faça ou deixe de fazer alguma coisa, também por causa do cargo. Chama-se ativa, quando praticada pelo particular e passiva, quando o funcionário pede ou "toma" dinheiro. Uma e outra punidas com penas de reclusão.
A ação dos corruptos tem acidentes de percurso. Há servidores sérios, honestos, os quais se recusam a participar da malandragem e a denunciam, quando sabem dela. Também há falta de "mão-de-obra especializada" capacitada para o delito, no funcionalismo. Assim se explica a formação de grupos fechados de delinquentes, para obtenção de melhores resultados econômicos. As referências mais frequentes envolvem atividades de fiscalização tributária ou administrativa. São setores muito presentes na mídia, caracterizados como palco ideal para achacadores em grupos.
O poder dos grupos inclui até a deslocação de funcionários de uma função para outra, de um serviço para outro, com a finalidade de formarem blocos homogêneos de malfeitores ou de afastar inimigos.
As versões divulgadas contam que a atividade mafiosa segue vários caminhos. Vejamos um deles. Digamos que se abra concurso para função cujas exigências culturais sejam mais simples, como lixeiro, motorista ou copeiro ou outras assemelhadas. Os futuros participantes de operações extorsivas, pessoas de razoáveis conhecimentos, mas de baixo padrão moral, são escolhidos (ou escalados) para fazer o concurso. Podem ter até títulos universitários. Não importa. Disputam nomeação para funções simples, prejudicando os que almejam honestamente por tais posições e necessitam delas. Obtida a aprovação e nomeados os falsos "lixeiros", "motoristas" ou o que for, são convocados pelo esquema corruptor, "por necessidade do serviço", para postos de fiscalização, em que passam a tomar dinheiro do povo.
Não esqueçamos, porém, do outro lado da moeda. Nele, o particular oferece dinheiro ou outra vantagem ao servidor para fraudar o fisco, para instalar pontos-de-venda ilegais, para construções fora dos padrões, para vender bens ou serviços ao poder público e assim por diante. Corruptores e corrompidos são gente habituada a viver à margem da lei, em benefício próprio. Se o crime é descoberto aparecem outras influências, sendo mais notória a de legisladores que dariam proteção ao esquema, porque lhes renderia polpudas vantagens. O quadro descrito pelas notícias da semana parece da Chicago de Al Capone nos filmes de Elliot Ness, com a rejeição de uma CPI, na Câmara Municipal de São Paulo, reforçando a impressão de que a associação entre maus funcionários e legisladores existe.
A corrupção é difícil de ser comprovada. A CPI, bem conduzida, poderia ser útil para possibilitar a punição dos culpados. Isso não convém à delinquência, restando saber quanto o Ministério Público conseguirá apurar. O bom combate também depende da intensa e sincera participação da comunidade. É necessário estimular a reação corajosa das vítimas, além de exigir proteção para elas, até a condenação dos grandes culpados. É o desafio de todos. A sociedade não tem direito de ficar indiferente.


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