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Uma escola atrás das grades
DA EQUIPE DE TRAINEES
Claudionor Alves Pereira, 33,
começou em fevereiro as aulas
no curso de História da PUC-SP
(Pontifícia Universidade Católica). Para ele, isso é mais que especial.
Há 13 anos, ele foi preso por
assalto seguido de morte. "Eu
estava dirigindo. Não tive contato com o que aconteceu, mas
não consegui atenuar a minha
pena." Condenado a 18 anos de
cadeia, foi levado à Casa de Detenção do Carandiru.
Tendo estudado até a sétima
série, concluiu o primeiro grau
na cadeia. E enquanto cursava o
supletivo de segundo grau passou a dar no presídio aulas de
primeiro grau e de alfabetização. Ao entrar em regime semi-aberto foi inscrito no cursinho
da Poli (Escola Politécnica, da
USP) e passou no vestibular.
A taxa de analfabetismo na
Casa de Detenção do Carandiru, medida pelo Boletim de
Ocorrência, é calculada em 7%.
Mas cerca de 84% dos presos
chegam com o primeiro grau
incompleto, segundo o Ilanud
(Instituto Latino-Americano
para as Nações Unidas).
As aulas nos presídios do Estado são ministradas pela Funap (Fundação Professor Doutor Manoel Pedro Pimentel), ligada à Secretaria de Administração Penitenciária.
É lá que Claudionor, em regime aberto, trabalha. Hoje a Funap tem 10 mil alunos, 6.000 deles sendo alfabetizados. Só na
Casa de Detenção do Carandiru
são 600 alunos, 400 em processo de alfabetização. A Funap
existe desde 1976, mas o projeto
de educação estruturado começou em 1988. Hoje, atinge as 63
penitenciárias do Estado.
Washington Branco de Assis,
38, também foi professor no
presídio durante três dos oito
anos em que ficou preso. "Eu
não acreditava no trabalho da
Funap. Achava que preso dando aula para preso não tinha
respeito." Mudou de opinião.
Ele era responsável pela distribuição de material no presídio. "Um dia, um rapaz pediu
uma calça. Pedi para assinar a
ficha, mas ele disse que não assinava. Escrevi "analfabeto" onde ele teria assinado, e ele colocou o dedo. Meses depois, ele
voltou e pediu outra calça. Eu
levantei a ficha e vi que era analfabeto. Levei a carimbeira, mas
ele recusou. Disse que tinha entrado na escola e sabia assinar."
Ele fica feliz ao lembrar do carinho dos alunos. Em dias de visita, era apresentado às famílias
dos presos. Havia pais que competiam com os filhos pequenos
sobre quem aprendia mais rápido. "Me perguntavam se, estudando, teriam chance de conseguir trabalho. Mas poucos têm
sorte aqui fora. Além do preconceito, concorrem com gente
de escolas particulares. E já perdem das escolas públicas..."
Os mais violentos dificilmente se dispõem a ir à escola. Mas
os que vão se transformam, segundo Washington. Muitos
têm dificuldade em aprender,
mas poucos desistem.
Para ele, o maior problema é
que os presos são transferidos
com frequência, atrapalhando a
continuidade do aprendizado.
Outro problema são os que se
envolvem em confusão e são
isolados.
Washington concluiu em liberdade o segundo grau. Hoje
estuda informática. O nome
usado nesta reportagem é fictício, a fim de resguardar a sua família, como ele pediu.
O segundo grau foi implantado pelos próprios detentos que,
terminado o primeiro grau, decidiram continuar a estudar.
Apesar da dificuldade para conseguir verbas, receberam um
pequeno espaço, onde ensinavam uns aos outros o que soubessem melhor.
A gerente de educação da Funap, Maria de Lourdes Tienai
Ida, diz que até o final do ano a
intenção é chegar a 12,5 mil alunos. Para ela, ainda há muito a
ser feito, porque 10 mil alunos é
muito pouco em um universo
em que a taxa de escolaridade é
extremamente baixa.
A Folha conseguiu autorização para visitar o presídio, mas
por causa da rebelião do dia 18
de fevereiro os repórteres não
puderam entrar.
(DIEGO VIANA)
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