São Paulo, terça-feira, 27 de março de 2001

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Uma escola atrás das grades

DA EQUIPE DE TRAINEES

Claudionor Alves Pereira, 33, começou em fevereiro as aulas no curso de História da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica). Para ele, isso é mais que especial.
Há 13 anos, ele foi preso por assalto seguido de morte. "Eu estava dirigindo. Não tive contato com o que aconteceu, mas não consegui atenuar a minha pena." Condenado a 18 anos de cadeia, foi levado à Casa de Detenção do Carandiru.
Tendo estudado até a sétima série, concluiu o primeiro grau na cadeia. E enquanto cursava o supletivo de segundo grau passou a dar no presídio aulas de primeiro grau e de alfabetização. Ao entrar em regime semi-aberto foi inscrito no cursinho da Poli (Escola Politécnica, da USP) e passou no vestibular.
A taxa de analfabetismo na Casa de Detenção do Carandiru, medida pelo Boletim de Ocorrência, é calculada em 7%. Mas cerca de 84% dos presos chegam com o primeiro grau incompleto, segundo o Ilanud (Instituto Latino-Americano para as Nações Unidas).
As aulas nos presídios do Estado são ministradas pela Funap (Fundação Professor Doutor Manoel Pedro Pimentel), ligada à Secretaria de Administração Penitenciária.
É lá que Claudionor, em regime aberto, trabalha. Hoje a Funap tem 10 mil alunos, 6.000 deles sendo alfabetizados. Só na Casa de Detenção do Carandiru são 600 alunos, 400 em processo de alfabetização. A Funap existe desde 1976, mas o projeto de educação estruturado começou em 1988. Hoje, atinge as 63 penitenciárias do Estado.
Washington Branco de Assis, 38, também foi professor no presídio durante três dos oito anos em que ficou preso. "Eu não acreditava no trabalho da Funap. Achava que preso dando aula para preso não tinha respeito." Mudou de opinião.
Ele era responsável pela distribuição de material no presídio. "Um dia, um rapaz pediu uma calça. Pedi para assinar a ficha, mas ele disse que não assinava. Escrevi "analfabeto" onde ele teria assinado, e ele colocou o dedo. Meses depois, ele voltou e pediu outra calça. Eu levantei a ficha e vi que era analfabeto. Levei a carimbeira, mas ele recusou. Disse que tinha entrado na escola e sabia assinar."
Ele fica feliz ao lembrar do carinho dos alunos. Em dias de visita, era apresentado às famílias dos presos. Havia pais que competiam com os filhos pequenos sobre quem aprendia mais rápido. "Me perguntavam se, estudando, teriam chance de conseguir trabalho. Mas poucos têm sorte aqui fora. Além do preconceito, concorrem com gente de escolas particulares. E já perdem das escolas públicas..."
Os mais violentos dificilmente se dispõem a ir à escola. Mas os que vão se transformam, segundo Washington. Muitos têm dificuldade em aprender, mas poucos desistem.
Para ele, o maior problema é que os presos são transferidos com frequência, atrapalhando a continuidade do aprendizado. Outro problema são os que se envolvem em confusão e são isolados.
Washington concluiu em liberdade o segundo grau. Hoje estuda informática. O nome usado nesta reportagem é fictício, a fim de resguardar a sua família, como ele pediu.
O segundo grau foi implantado pelos próprios detentos que, terminado o primeiro grau, decidiram continuar a estudar. Apesar da dificuldade para conseguir verbas, receberam um pequeno espaço, onde ensinavam uns aos outros o que soubessem melhor.
A gerente de educação da Funap, Maria de Lourdes Tienai Ida, diz que até o final do ano a intenção é chegar a 12,5 mil alunos. Para ela, ainda há muito a ser feito, porque 10 mil alunos é muito pouco em um universo em que a taxa de escolaridade é extremamente baixa.
A Folha conseguiu autorização para visitar o presídio, mas por causa da rebelião do dia 18 de fevereiro os repórteres não puderam entrar. (DIEGO VIANA)


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