São Paulo, sábado, 27 de março de 2004

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Falta de reintegração às famílias e demora em destituição de pátrio poder fazem crianças crescerem em instituições

Em abrigos, maioria tem mais de 6 anos

DA REPORTAGEM LOCAL

Na fila, 89% dos candidatos querem, preferencialmente, crianças de até um ano e 91% pedem que sejam brancas. Na outra ponta desse processo, 50% das crianças dos abrigos têm mais de seis anos. Esse é o cenário no Rio Grande do Sul, o Estado do país no qual os dados sobre adoção estão mais organizados.
"E o descompasso é igual do Oiapoque ao Chuí", afirma o juiz Breno Beutler Jr., 47. Parece estar certo. No Rio, 86% das crianças disponíveis têm mais de seis anos e 46% são negras ou pardas.
Para tentar adequar a demanda, o juiz Siro Darlan baixou nesta semana uma medida polêmica: suspendeu temporariamente o cadastramento de casais que tenham preferência por meninas recém-nascidas.
A medida não encontra muito apoio entre juízes e pesquisadores da área. Para eles, é melhor incentivar trabalhos de informação e apoio aos candidatos, o que pode alterar essa preferência. Uma pesquisa feita pelo Cecif em 30 dos mais de cem grupos de apoio à adoção do país mostra que 71% dos pretendentes chegam ao processo querendo bebês de até dois anos. Depois do trabalho, 6% adotam crianças mais velhas.
A taxa pode parecer pequena, mas altera algumas histórias como a dos irmãos T. e N., há dez anos em um abrigo no Morumbi (zona oeste de SP). T., 14, o mais velho, pouco lembra dos cinco anos que viveu fora da instituição. "Só lembro que morava na rua e que a minha mãe desapareceu."
Abandonados há tanto tempo, os dois, porém, só ficaram disponíveis para adoção em julho de 2001, quando o pai, presidiário, abriu mão dos filhos. Pouco depois, morreu assassinado.

Novos horizontes
O drama não é muito diferente do das irmãs L., 9, A., 11, e M., 12, que vivem no mesmo local. Abrigadas desde o fim de 1995, elas só tiveram o processo para adoção concluído há dois anos. A mãe sumiu. O pai bem que tentou, mas não conseguiu sustentá-las. Deixou-as no abrigo, só que a destituição do pátrio poder demorou.
Agora, como a chance é quase nula de adoção, a Justiça liberou a volta das visitas do pai. No domingo passado foi a primeira vez que apareceu neste ano.
É para evitar casos como o dessas irmãs que tramita na Câmara dos Deputados desde 2003 um projeto de lei para alterar algumas regras da adoção. De autoria do deputado João Matos (PMDB-SC), o novo texto fixa, entre outras mudanças, prazos máximos para trabalho com as famílias de origem, para inclusão das crianças no cadastro de adotáveis etc.
É também para incentivar a adoção tardia que o projeto prevê licença-maternidade de quatro meses para qualquer caso.
O texto ainda torna obrigatório o cadastro nacional de adoções, cuja implantação é apenas sugerida no ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente). A idéia é que ele possa ser base de políticas públicas mais agressivas.
Com ou sem lei, o governo -que defende a mudança- já prepara a unificação dos dados. No segundo, o Sipia (Sistema de Informações para a Infância e Adolescência) deve fornecer, via internet, o perfil de crianças aptas à adoção, de requerentes habilitados e de processos efetivados.
"Os dados permitirão trabalhos estratégicos, que devem aumentar os casos de adoção", avalia Maria das Graças Bibas, 53, coordenadora do projeto do governo federal. (SÍLVIA CORRÊA e PEDRO DIAS LEITE)


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