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São Paulo, domingo, 27 de abril de 2003

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DANUZA LEÃO

Os clones

A novela carioca protagonizada pela dupla Rosinha/ Garotinho não tem fim. O último capítulo foi fartamente televisionado: na hora de matar a barata, a governadora, eleita gloriosamente no primeiro turno, chamou o marido.
O casal inventa as verdades que quer, sem nenhum escrúpulo, e põe a culpa de suas incompetências em quem estiver mais à mão. Em sã consciência: você compraria um carro usado de Garotinho?
A dupla do chuvisco fala muito e rápido, para não dar tempo para que as pessoas reflitam sobre o que estão dizendo. Para os mais atentos, é "coisa de radialista" -uma injustiça com a classe, que não merece. Agora, Rosinha conseguiu dar munição a todos que pensam, mesmo que não falem, que mulher não tem capacidade para exercer cargos de responsabilidade na vida pública.
Foi uma derrota para o sexo feminino? Nem tanto. Nenhuma mulher considerou grandes coisas a sua vitória na eleição. Mas é preciso reconhecer que ela é atrevida (no pior sentido). Depois de uma semana de violências na cidade, Rosinha oficializou o que todo mundo já sabia: quem governou o nosso pobre Estado, por debaixo do pano -ou seria dos lençóis?-, foi sempre Garotinho.
Um é clone do outro (quem de quem?) e, com nove filhos, sempre haverá um em idade legal para se candidatar e continuar a dinastia. Pobres de nós.
Quem vive no Rio hoje sai pouco, de medo. Tenho amigos que venderam o carro com medo de assalto, quem toma táxi para ir de um bairro para o outro evita os túneis, e só se tem uma certa tranquilidade em casa, com a porta trancada. Está muito difícil viver e morrer também: por falta de segurança, Mauro Rasi não teve direito a um velório.
Mas às vezes, por alguns momentos, a gente esquece. Outro dia acordei muito cedo e fui pegar o jornal na porta; o sol entrava pela janela e o primeiro pensamento foi "mas que dia lindo". Detalhe: um dia lindo no Rio é mais lindo do que na maioria das cidades do mundo. Foi só pegar o jornal e ver as brabeiras da véspera para voltar ao normal, que é viver com medo. É muito ruim ter medo o tempo todo.
Alguns de nós, cariocas e fluminenses, têm um consolo: não foi com o nosso voto que Rosinha se elegeu, e está na hora de chamar os padres, os pais-de-santo, Jeová, um aiatolá, quem for, para benzer o nosso pobre Estado; só pode ter sido trabalho daqueles bem carregados, com muito bode e muita galinha preta para as coisas chegarem a esse ponto.
Mas se for preciso suportar o casal no governo por mais um tempo, mesmo sabendo que a ex-cidade maravilhosa vai -peço desculpas, mas é irresistível usar a palavra dita publicamente pela governadora- se "avacalhar" ainda mais, mas na esperança de que este pode ser o último capítulo dos Garotinhos na vida pública, vai valer a pena.
É engraçado: em quase todas as situações, a gente, certo ou errado, acha que saberia como resolver, dá palpites, diz que o governo deveria fazer assim ou assado. Mas desta vez está difícil, e qualquer descuido pode ser fatal.
Um passo em falso e a dupla vira mártir. A platéia para ouvir suas lamúrias está sendo cultivada há anos, e é audiência garantida.
E haja paciência: esses três anos vão custar a passar.

P.S.: Uma modesta sugestão para a reforma do Judiciário: adotar o abrandamento da pena para os criminosos que ajudarem a Justiça a ser feita -o que poderia ser de grande utilidade no caso dos fiscais da Receita do Estado do Rio, por exemplo.

E-mail - danuza.leao@uol.com.br


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