São Paulo, segunda, 27 de abril de 1998

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Programa contra seca poderá excluir 50% dos atingidos

VANDECK SANTIAGO
da Agência Folha, em Recife (PE)

ADELSON BARBOSA


em Areia de Baraúnas (PB) O programa de combate à seca a ser implantado pelo governo federal deverá excluir dos benefícios diretos mais de 4,7 milhões de pessoas -metade da população atingida pela estiagem.
Isso acontecerá porque, de acordo com estudo feito pela Sudene, essas pessoas já têm alguma cobertura do INSS ou possuem alguma outra fonte de renda. Medida semelhante foi adotada em secas anteriores.
A situação é observada, por exemplo, na região rural e na periferia das pequenas cidades da Paraíba, onde a maior parte do dinheiro que circula é proveniente das aposentadorias pagas aos idosos pelo INSS (Instituto Nacional de Seguridade Social).
Famílias inteiras, com até 15 pessoas, dependem desse dinheiro para sobreviver. Com os R$ 120 que ganham por mês, os aposentados compram feijão e farinha para os filhos e netos.
No sítio Caiçara, em Areia de Baraúnas (280 km de João Pessoa), a aposentada Laura Alves de Sousa, 80, que tem problemas na coluna, afirma que não pode nem morrer.
"Se eu morrer, meus sete netos vão morrer de fome", diz Laura, que mora com a filha Margarida Sousa Nascimento, 40, e os netos. Sentada em uma rede, rodeada pelos parentes, ela afirma que não tem mais esperança de melhorar de vida antes de morrer.
"Não estou mais nem rezando. Perdi a crença de tudo", declara Laura sobre as condições de vida percebidas a partir de sua pequena casa, suja e cheia de moscas, em cima de uma serra na zona rural.
Para a Sudene (Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste), a tensão social existente na região ainda não chegou ao nível registrado na última seca, em 1993 -quando os benefícios diretos atenderam a 70% da população atingida.
Mas a exclusão já provoca reações de prefeitos e sindicalistas rurais do Nordeste, região em que quase 70% dos municípios estão na área da seca.
"O governo está brincando com fogo", disse a prefeita Maria Giselda Simões Inácio (PPS), de Afogados da Ingazeira (PE), onde o Exército foi convocado recentemente para proteger de saques um armazém de alimentos.

Cestas básicas
O programa do governo federal deve iniciar sua primeira etapa -distribuição de cestas básicas - na primeira quinzena de maio.
Está prevista a doação de 965 mil cestas, mas não todas de uma só vez. No primeiro mês, serão distribuídas 20% delas (193 mil). No segundo mês, outras 20%. No terceiro mês, as 60% restantes. Ainda não há plano para o que acontecerá a partir do quarto mês.
De acordo com a Sudene, em alguns Estados o "período chuvoso" ainda não acabou. Existe a possibilidade de que possa chover até julho ou agosto, o que poderia causar "reversibilidade do quadro crítico" hoje existente.
Mas para a Fetape (Federação dos Trabalhadores na Agricultura de Pernambuco), que congrega os sindicatos rurais do Estado e rivaliza em importância com o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), a ocorrência de chuvas não trará mudanças significativas na situação das famílias atingidas pela seca.
Isso porque o que havia para plantar, os pequenos agricultores já plantaram, e perderam tudo.
Entre as pessoas que serão atendidas pelo programa do governo federal, segundo previsão da Sudene, 50% devem ser alistadas em "frentes produtivas" -trabalho em determinadas obras, mediante o pagamento de um salário mínimo mensal.
A bolsa-escola -uma novidade em ações contra a seca-, deverá atender, com meio salário mínimo por trabalhador, 30% dos que serão beneficiados pelo programa.
Os demais 20% serão incluídos em uma linha específica de crédito rural e nas ações permanentes (obras de infra-estrutura já incluídas no Orçamento da União).
Estão previstas também a perfuração de 4.400 poços, recuperação de 2.600, e distribuição de água, com carros-pipa.
A coordenação central do programa deve ficar com a Sudene. A distribuição da água será comandada pelos Estados e municípios.



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