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Jegues levam água ao vilarejo de "Central do Brasil'
FÁBIO GUIBU
Cruzeiro do Nordeste
A população do vilarejo de Cruzeiro do Nordeste, onde foram filmadas cenas de "Central do Brasil", no sertão de Pernambuco,
depende há quase meio século do
trabalho dos chamados "profissionais da água" para sobreviver.
O povoado, chamado de Bom Jesus do Norte no filme, surgiu há 49
anos, e até agora não conta com
um sistema de abastecimento.
Os cerca de 620 habitantes do local, a 322 km de Recife, já se acostumaram com o trânsito diário de
jegues, carroças com tambores e
carros-pipa pelas ruas. Mas ninguém se conforma com o que consideram "falta de vontade das autoridades" com a comunidade.
A última promessa de trazer
água ao vilarejo aconteceu no dia
22 de março passado, durante a solenidade que precedeu a exibição
ao ar livre de "Central do Brasil".
Sobre um palanque, o governador Miguel Arraes (PSB) prometeu
implantar um sistema de abastecimento, ainda em seu governo.
"Desde novo, eu ouço promessa
de que vai chegar água", diz o
mais antigo morador do vilarejo,
Manoel Pereira Filho, 94. "Falaram que iam colocar canos num
açude aqui perto, mas demoraram
tanto que o açude secou."
Pereira Filho foi um dos primeiros "profissionais da água" de
Cruzeiro do Nordeste. Agricultor
nascido na região, logo ele percebeu que cultivar a terra seca não
era o melhor negócio.
Sobre um jegue, ele colocou quatro latas e começou a vender a água
coletada de poços da região. O trabalho prosperou e logo o ex-lavrador conseguiu montar uma "frota" de oito jumentos com carroças
para atender ao povoado.
Há dez anos, Pereira Filho parou
de trabalhar e foi morar na área urbana com a mulher, Marieta. O negócio já não rendia tanto, por causa da sua idade e dos carros-pipa
que começaram a proliferar.
Usando um caminhão com capacidade para levar 6.000 litros por
viagem, Cícero Freire de Melo, 30,
faz parte da segunda geração dos
"profissionais da água".
Trabalhando menos, ele pode
vender o produto pela metade do
preço cobrado pelos vendedores
que trabalham com jegues -que
levam apenas 400 litros.
Melo cobra R$ 2,50 por um tambor de 24 latas, padrão em Cruzeiro do Nordeste. Lucra por mês cerca de R$ 500. Com o dinheiro, sustenta a mulher e três filhos.
Filho de um pequeno comerciante do vilarejo, Melo diz que o
negócio seria ainda melhor se não
se sentisse "moralmente obrigado" a vender fiado.
Segundo ele, existem clientes
que estão há quatro meses sem pagar e que continuam recebendo
água "porque precisam viver".
Quem tem condições, procura
economizar transportando água
por conta própria. É o caso da família da ex-agricultora Maria das
Neves Freire do Nascimento, 46.
Pelo menos duas vezes por dia,
seu filho João Paulo Freire Nascimento, 13, traz água de um poço a
2 km do vilarejo, numa carroça
puxada por um jumento.
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