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SÃO PAULO
Acabar com a desolação da área central à noite é desafio de entidades que promovem revitalização da região
Centro quer funcionar 24 horas por dia
CÉLIA CHAIM
DA REPORTAGEM LOCAL
Durante o dia é difícil andar sem
esbarrar no outro. Donos de barracas e tabuleiros ocupam desordenadamente as calçadas malcuidadas. Estima-se que 2,5 milhões
de pessoas circulem por ali. São
trabalhadores do comércio, banqueiros e bancários, corretores
das duas Bolsas (a Bovespa e a
BM&F), incontáveis camelôs e
desempregados que vão ao centro
de São Paulo passar o tempo.
A área é pequena: os distritos da
Sé e da República, os mais importantes da região, representam
com seus 4,4 km2 apenas 0,5% do
território da capital. Mas é nesse
espaço minguado que estão 11%
dos empregos dos paulistanos e
40% da área ocupada na cidade
por instituições financeiras.
Antes da 7h, com as lojas ainda
fechadas, o movimento já é intenso e corrido, reforçando o estereótipo de que o paulista corre para
trabalhar. São pessoas que trabalham na região ou que passam pelo centro para usar sua estrutura
de transporte: sete estações de
metrô, 280 linhas de ônibus e quatro dos maiores terminais urbanos da cidade, como o Bandeiras e
o parque D. Pedro 2º.
Ou, ainda, pessoas que vão ao
centro para fazer compras, atraídas pelos preços que não deixam
ninguém voltar para casa sem um
pacote, do tênis Nike falsificado
do camelô ao autêntico bacalhau
português da centenária Mercearia Godinho, que está no região há
111 anos, primeiro na Sé, e, desde
1924, na rua Líbero Badaró.
Quando os três sócios da Godinho fecham as portas, às 19h, o
centro tem mais duas horas de sobrevida, proporcionada pelo movimento do transporte.
Depois, "é uma desolação só",
como define Jule Barroso, editor
da revista "Urbs", publicada pela
Associação Viva o Centro, uma
das organizações mais ativas no
trabalho de revalorização do centro de São Paulo.
É a hora em que 5.000 dos 8.000
moradores de rua de São Paulo
para lá se dirigem e se recolhem
em sua moradia a céu aberto.
Dá medo andar pelas ruas do
centro à noite, onde se respira um
ar de miséria e bandidagem. Um
medo que só será superado quando a recuperação da região sair do
papel e o centro passar a funcionar 24 horas por dia.
É isso que propõem as empresas
privadas, as organizações não-governamentais e os arquitetos empenhados no projeto de recuperação, determinante para o futuro
de São Paulo. Grandes metrópoles mundiais já percorreram esse
caminho, reinstalando no centro,
depois de restaurado, parte da população que o havia abandonado.
As condições para esse "milagre" são propícias, tanto que as
principais imobiliárias da região
já registram crescimento na procura (segundo algumas delas, em
torno de 30%) e valorização dos
bens imóveis.
Affonso Celso Prazeres de Oliveira, síndico do edifício Copan,
um marco que Oscar Niemeyer
fincou na esquina da avenida Ipiranga, diz que os apartamentos lá
estão custando 20% a mais desde
que foi anunciada a reforma (ainda não iniciada) do prédio. Nos
últimos 50 dias, ele diz, dez apartamentos foram vendidos.
O comércio está mudando seu
perfil. Continua sendo possível
montar um computador nas lojas
da rua Santa Ifigênia, cujo viaduto
de 1.100 toneladas de ferro passou
pela terceira grande reforma em
87 anos.
Mas, ao lado das lojas especializadas em instrumentos musicais,
CDs raros, moedas e selos, ferragens e ferramentas, floresce o novo comércio do centro, com o
Shopping Light, prédio inaugurado no final dos anos 20, na esquina da rua Xavier de Toledo com o
viaduto do Chá, com 202 lojas e
vendas anuais estimadas em R$
400 milhões.
Em frente, o Extra Mappin, magazine do grupo Pão de Açúcar,
inaugurado em 25 de janeiro de
2000, trabalha com uma previsão
de faturamento de R$ 200 milhões
por ano. Os dois planejam uma
interligação por passarela.
O setor de hotelaria também se
movimenta. Depois de um ano e
meio de obras e R$ 6 milhões de
investimento, o velho Hotel Normandie, com 40 anos, ressurgiu
restaurado na avenida Ipiranga.
Na rua Araújo, o grupo multinacional Accor, dono de 3.000 hotéis e flats em 72 países, está lançando o Mercure Downtown Hotel, padrão quatro estrelas, encerrando um período de 20 anos de
ausência de qualquer investimento em um hotel de grande porte
na região e cutucando a concorrência: o Eldorado Boulevard, na
avenida São Luís, investe R$ 1,5
milhão em reformas.
Tecnologia
A empresa .comDomínio, que
fornece infra-estrutura para hospedagem de sites, depois de analisar os prós e contras da Chácara
Santo Antônio e das avenidas Faria Lima e Paulista, optou pela Líbero Badaró, bem no miolo do
centro, devido à poderosa estrutura de fibras óticas que percorre
seu subsolo.
Outras duas empresas de tecnologia, a TMS Call Center e a Quatro/A, especializada em telemarketing, se instalaram na região.
O banco holandês ABN Amro,
com matriz na zona sul da cidade,
colocou suas operações de financiamento (leasing, crédito e cobrança) num prédio de 7.000 m2
no centro, em 1997, por causa da
locação mais barata e da facilidade de transporte.
Segundo a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), 4.461 advogados inscritos atuam no centro,
contra 4.187 de cinco grandes
bairros juntos (Pinheiros, Lapa,
Jabaquara, Itaquera e Ipiranga).
O bar Brahma, que foi até o fundo do poço e virou restaurante
que vendia comida por quilo, ressurgiu em janeiro de 2001, com a
atmosfera dos anos 50.
O centro tem muitos estudantes
e muitas escolas, sonha com a volta do gabinete do governador,
tem uma galeria de arte tradicional -a Casa Triângulo- e a estação Júlio Prestes, uma das melhores salas sinfônicas do mundo.
Tem o largo do Arouche, que
também espera a restauração de
seu clima romântico, num projeto que pretende interligar o largo
com 16 praças ao longo de 8,5 km,
recuperando a beleza de sua vegetação. E orgulha a administração
regional, que conduz o programa
da prefeitura "Reconstruir o Centro", por ser uma área 100% coberta pela rede de água e esgoto.
Novos moradores
Ainda assim, quase 100 mil pessoas deixaram de morar na região
nos últimos dez anos, movidas
pela miséria dos cortiços que brotam às centenas, pela insegurança
(a Sé é a quarta região mais violenta da cidade), pela impossibilidade de andar e passear por suas
calçadas esburacadas.
Esse é o maior desafio do projeto de recuperação: o centro só estará reabilitado quando conquistar novos moradores, ganhando
vida 24 horas por dia. "Em todos
os lugares, a volta ao centro foi
também a volta dos moradores ao
centro", disse o arquiteto e urbanista espanhol Eduardo Leira
quando visitou São Paulo.
A capital de Pernambuco conseguiu. Moradores dizem com orgulho e bom humor que a praça
principal do bairro do Recife, o
mais antigo da cidade, antes conhecido como "zona do baixo
meretrício", depois do projeto de
recuperação "é mais limpa que
banheiro de madame".
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