São Paulo, domingo, 27 de maio de 2001

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SÃO PAULO

Acabar com a desolação da área central à noite é desafio de entidades que promovem revitalização da região

Centro quer funcionar 24 horas por dia

CÉLIA CHAIM
DA REPORTAGEM LOCAL

Durante o dia é difícil andar sem esbarrar no outro. Donos de barracas e tabuleiros ocupam desordenadamente as calçadas malcuidadas. Estima-se que 2,5 milhões de pessoas circulem por ali. São trabalhadores do comércio, banqueiros e bancários, corretores das duas Bolsas (a Bovespa e a BM&F), incontáveis camelôs e desempregados que vão ao centro de São Paulo passar o tempo.
A área é pequena: os distritos da Sé e da República, os mais importantes da região, representam com seus 4,4 km2 apenas 0,5% do território da capital. Mas é nesse espaço minguado que estão 11% dos empregos dos paulistanos e 40% da área ocupada na cidade por instituições financeiras.
Antes da 7h, com as lojas ainda fechadas, o movimento já é intenso e corrido, reforçando o estereótipo de que o paulista corre para trabalhar. São pessoas que trabalham na região ou que passam pelo centro para usar sua estrutura de transporte: sete estações de metrô, 280 linhas de ônibus e quatro dos maiores terminais urbanos da cidade, como o Bandeiras e o parque D. Pedro 2º.
Ou, ainda, pessoas que vão ao centro para fazer compras, atraídas pelos preços que não deixam ninguém voltar para casa sem um pacote, do tênis Nike falsificado do camelô ao autêntico bacalhau português da centenária Mercearia Godinho, que está no região há 111 anos, primeiro na Sé, e, desde 1924, na rua Líbero Badaró.
Quando os três sócios da Godinho fecham as portas, às 19h, o centro tem mais duas horas de sobrevida, proporcionada pelo movimento do transporte.
Depois, "é uma desolação só", como define Jule Barroso, editor da revista "Urbs", publicada pela Associação Viva o Centro, uma das organizações mais ativas no trabalho de revalorização do centro de São Paulo.
É a hora em que 5.000 dos 8.000 moradores de rua de São Paulo para lá se dirigem e se recolhem em sua moradia a céu aberto.
Dá medo andar pelas ruas do centro à noite, onde se respira um ar de miséria e bandidagem. Um medo que só será superado quando a recuperação da região sair do papel e o centro passar a funcionar 24 horas por dia.
É isso que propõem as empresas privadas, as organizações não-governamentais e os arquitetos empenhados no projeto de recuperação, determinante para o futuro de São Paulo. Grandes metrópoles mundiais já percorreram esse caminho, reinstalando no centro, depois de restaurado, parte da população que o havia abandonado.
As condições para esse "milagre" são propícias, tanto que as principais imobiliárias da região já registram crescimento na procura (segundo algumas delas, em torno de 30%) e valorização dos bens imóveis.
Affonso Celso Prazeres de Oliveira, síndico do edifício Copan, um marco que Oscar Niemeyer fincou na esquina da avenida Ipiranga, diz que os apartamentos lá estão custando 20% a mais desde que foi anunciada a reforma (ainda não iniciada) do prédio. Nos últimos 50 dias, ele diz, dez apartamentos foram vendidos.
O comércio está mudando seu perfil. Continua sendo possível montar um computador nas lojas da rua Santa Ifigênia, cujo viaduto de 1.100 toneladas de ferro passou pela terceira grande reforma em 87 anos.
Mas, ao lado das lojas especializadas em instrumentos musicais, CDs raros, moedas e selos, ferragens e ferramentas, floresce o novo comércio do centro, com o Shopping Light, prédio inaugurado no final dos anos 20, na esquina da rua Xavier de Toledo com o viaduto do Chá, com 202 lojas e vendas anuais estimadas em R$ 400 milhões.
Em frente, o Extra Mappin, magazine do grupo Pão de Açúcar, inaugurado em 25 de janeiro de 2000, trabalha com uma previsão de faturamento de R$ 200 milhões por ano. Os dois planejam uma interligação por passarela.
O setor de hotelaria também se movimenta. Depois de um ano e meio de obras e R$ 6 milhões de investimento, o velho Hotel Normandie, com 40 anos, ressurgiu restaurado na avenida Ipiranga.
Na rua Araújo, o grupo multinacional Accor, dono de 3.000 hotéis e flats em 72 países, está lançando o Mercure Downtown Hotel, padrão quatro estrelas, encerrando um período de 20 anos de ausência de qualquer investimento em um hotel de grande porte na região e cutucando a concorrência: o Eldorado Boulevard, na avenida São Luís, investe R$ 1,5 milhão em reformas.

Tecnologia
A empresa .comDomínio, que fornece infra-estrutura para hospedagem de sites, depois de analisar os prós e contras da Chácara Santo Antônio e das avenidas Faria Lima e Paulista, optou pela Líbero Badaró, bem no miolo do centro, devido à poderosa estrutura de fibras óticas que percorre seu subsolo.
Outras duas empresas de tecnologia, a TMS Call Center e a Quatro/A, especializada em telemarketing, se instalaram na região.
O banco holandês ABN Amro, com matriz na zona sul da cidade, colocou suas operações de financiamento (leasing, crédito e cobrança) num prédio de 7.000 m2 no centro, em 1997, por causa da locação mais barata e da facilidade de transporte.
Segundo a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), 4.461 advogados inscritos atuam no centro, contra 4.187 de cinco grandes bairros juntos (Pinheiros, Lapa, Jabaquara, Itaquera e Ipiranga).
O bar Brahma, que foi até o fundo do poço e virou restaurante que vendia comida por quilo, ressurgiu em janeiro de 2001, com a atmosfera dos anos 50.
O centro tem muitos estudantes e muitas escolas, sonha com a volta do gabinete do governador, tem uma galeria de arte tradicional -a Casa Triângulo- e a estação Júlio Prestes, uma das melhores salas sinfônicas do mundo.
Tem o largo do Arouche, que também espera a restauração de seu clima romântico, num projeto que pretende interligar o largo com 16 praças ao longo de 8,5 km, recuperando a beleza de sua vegetação. E orgulha a administração regional, que conduz o programa da prefeitura "Reconstruir o Centro", por ser uma área 100% coberta pela rede de água e esgoto.

Novos moradores
Ainda assim, quase 100 mil pessoas deixaram de morar na região nos últimos dez anos, movidas pela miséria dos cortiços que brotam às centenas, pela insegurança (a Sé é a quarta região mais violenta da cidade), pela impossibilidade de andar e passear por suas calçadas esburacadas.
Esse é o maior desafio do projeto de recuperação: o centro só estará reabilitado quando conquistar novos moradores, ganhando vida 24 horas por dia. "Em todos os lugares, a volta ao centro foi também a volta dos moradores ao centro", disse o arquiteto e urbanista espanhol Eduardo Leira quando visitou São Paulo.
A capital de Pernambuco conseguiu. Moradores dizem com orgulho e bom humor que a praça principal do bairro do Recife, o mais antigo da cidade, antes conhecido como "zona do baixo meretrício", depois do projeto de recuperação "é mais limpa que banheiro de madame".



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