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LEGALIZAÇÃO EM DEBATE
Comissão criada pelo governo apresenta relatório na segunda, mas trâmite no Legislativo ainda é incerto
Anteprojeto propõe descriminalizar o aborto
CLÁUDIA COLLUCCI
DA REPORTAGEM LOCAL
Descriminalizar o aborto até a
12ª semana de gestação, ampliar o
prazo da interrupção da gravidez
para 20 semanas em casos de estupro e não determinar limite de
tempo para o aborto em casos de
grave risco à saúde da mulher e de
má-formação do feto.
São essas as principais propostas do texto do anteprojeto elaborado pela comissão tripartite
montada em abril pelo governo
federal para discutir a revisão da
legislação punitiva do aborto.
Hoje, o Código Penal pune com
um a três anos de prisão a mulher
que realiza um aborto. Os únicos
casos permitidos por lei são a gravidez resultante de estupro ou
quando há risco à vida da mãe.
A redação final do documento,
feita por cinco dos 18 integrantes,
será apresentada na segunda-feira aos demais membros. Mas ainda não está definida qual será a estratégia de encaminhamento da
proposta ao Legislativo.
A Folha apurou que, em razão
da crise política vivida hoje pelo
governo do presidente Luís Inácio
Lula da Silva, havia uma expectativa de que o senador Eduardo
Suplicy (PT) -que faz parte da
comissão- entrasse com o anteprojeto pelo Senado. Suplicy descarta a hipótese, pelo menos neste
momento.
Por meio da assessoria de imprensa, a Secretaria Especial de
Políticas para as Mulheres disse
que só vai se pronunciar sobre o
teor do anteprojeto depois de recebê-lo e analisá-lo com todos os
integrantes da comissão (seis do
governo, seis do Legislativo e seis
da sociedade civil).
Dos seis representantes da sociedade civil, quatro vêm de entidades feministas e são a favor da
descriminalização. Uma delas é a
antropóloga Lia Zanotta Machado, representante da Rede Feminista de Saúde e que participou da
redação final do projeto.
Segundo ela, as propostas saíram de um consenso dentro do
comitê e "não há possibilidade de
volta". "Pode ser mudado o formato final de apresentação, mas o
conteúdo, não", afirmou.
Um dos pontos que deve sofrer
alteração na redação é a não determinação de prazo para o aborto quando há riscos à saúde da
mulher ou quando há má-formação fetal incompatível com a vida,
diz o ginecologista Jorge Andalaft
Neto, que integra a comissão.
Segundo ele, a partir da 5ª semana de gestação, fetos já têm condições de sobreviver e, nessas condições, é preconizado uma antecipação do parto, e não o aborto.
"Todas as gestações que ultrapassarem 20 semanas devem ser criteriosamente avaliadas."
Esse, aliás, foi um dos pontos de
discórdia na comissão. Tanto Andalaft quanto o geneticista Thomas Gollop são contra a inclusão,
no texto, de falta de limite de tempo para o aborto.
Para Lia Zanotta, com a descriminalização não haverá aumento
do número de abortos no país e
ocorrerá uma redução da taxa de
mortalidade materna -hoje, o
aborto é a quarta causa de morte.
Além da descriminalização, a
proposta do anteprojeto elaborada pela comissão garante que a interrupção voluntária da gravidez
seja realizada no Sistema Único
de Saúde (SUS), bem como seja
coberta pelos planos e seguros
privados de assistência à saúde.
Segundo o ginecologista Aníbal
Faúndes, coordenador do Comitê
de Direitos Sexuais e Reprodutivos da Federação Internacional
de Ginecologia e Obstetrícia, o
aborto até a 12ª semana de gravidez causa menos riscos à mulher e
há consenso médico de que, até
essa idade gestacional, não existe
atividade cerebral do feto.
As decisões que constam da minuta do anteprojeto da comissão
tripartite são semelhantes a um
projeto elaborado pelas Jornadas
Brasileiras pelo Direito ao Aborto
Legal e Seguro -rede que reúne
organizações em defesa dos direitos sexuais e reprodutivos- e
que foi apresentado ao grupo.
Segundo Gilberta Soares, coordenadora das jornadas, o projeto,
elaborado por seis advogados,
tratou de adaptar o direito ao
aborto às normas vigentes.
O anteprojeto também deverá
vir acompanhado da revogação
dos dispositivos do Código Penal
que tipificam o aborto como crime. Só seria mantido como crime
o abortamento praticado sem o
consentimento da mulher.
Embora poucas mulheres sejam
condenadas por aborto, a proibição faz com que, a cada ano, cerca
de 1 milhão de brasileiras realize
abortos clandestinos, segundo estimativa do Ministério da Saúde.
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