São Paulo, domingo, 27 de agosto de 2000


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VIOLÊNCIA
Jornalista procurou chefes de jornais e de assessorias para impedir que a ex-namorada conseguisse emprego
Pimenta quis bloquear carreira de Sandra

DA REPORTAGEM LOCAL

O jornalista Antônio Marcos Pimenta Neves, que matou Sandra Gomide com dois tiros no último domingo, montou um cerco pessoal e profissional a sua ex-namorada após o fim do relacionamento. O então diretor de redação de "O Estado de S. Paulo", Pimenta, 63, buscava evitar que Sandra, 32, também jornalista e demitida por ele, conseguisse novo emprego.
A uma amiga com quem jantou alguns dias antes do crime, Pimenta Neves disse o seguinte: "Enquanto ela (Sandra) não me procurar, não reconhecer o que fez e não reparar o erro, não terá emprego neste país".
O erro de Sandra, na versão espalhada por Pimenta Neves, foi ter aceitado suborno para distorcer o noticiário do jornal a favor de uma empresa interessada na compra da Vasp. Essa informação, que não foi confirmada, teria sido a razão da demissão.
Na avaliação de amigos, no entanto, o que levou Pimenta Neves a demitir, perseguir e finalmente matar Sandra foi o rompimento do namoro.
Sandra passou seus últimos dias de vida achando que Pimenta Neves estava à beira do suicídio. Disse isso a pelo menos dois amigos dias antes de ser assassinada.
Afirmava que semanas antes, quando invadiu seu apartamento, Pimenta Neves havia encostado um revólver na cabeça como se fosse se matar.
Além do fim do namoro, amigos do jornalista dizem que ele estava transtornado também com a doença que acometeu uma de suas filhas, que vive nos Estados Unidos com a mãe -primeira mulher de Pimenta Neves.
O jornalista está com prisão temporária decretada por homicídio. Ele está internado numa clínica psiquiátrica em São Paulo, para onde foi transferido na sexta-feira depois de receber alta do hospital Albert Einstein.
Pimenta Neves passou quatro dias internado depois de ter tentado suicídio ingerindo 70 comprimidos dos calmantes Lexotan e Frontal.
Ao dar entrada no hospital, tinha no bolso as duas cápsulas de balas calibre 38 usadas para matar Sandra, em um haras em Ibiúna (70 km de São Paulo).

Demissão
Pimenta Neves e Sandra namoraram durante três anos. Romperam e reataram várias vezes. No final de junho, o relacionamento terminou pela última vez.
Pimenta Neves estava convencido de que ela o havia trocado por outro. Sandra, que era editora de Economia, foi demitida.
A partir desse momento, Pimenta Neves começou uma campanha para acabar com a reputação da ex-namorada.
Em tese, não deveria ser difícil para uma ex-editora de um grande jornal conseguir outro emprego. Mas não para Sandra. Pimenta Neves procurou vários jornalistas para evitar que fosse contratada.
A Folha conversou com sete pessoas procuradas por ele para falar da ex-namorada. São executivos que comandam grandes jornais e escritórios de assessoria de imprensa.
Na maior parte dos casos, o jornalista telefonou por um motivo qualquer como pretexto para falar mal de Sandra. Pimenta Neves contava a versão sobre a Vasp e dizia poder provar o procedimento antiético por meio de gravações de conversas e cópias do correio eletrônico da ex-namorada.
No começo de agosto, Sandra procurou uma das maiores assessorias de imprensa de São Paulo para pedir emprego. Dias depois, Pimenta Neves telefonou para a pessoa que a havia atendido.
Pediu uma lista completa dos clientes do escritório e o nome dos jornalistas que cuidavam dessas contas. O dono da empresa, que naquele momento não entendeu o pedido, agora acredita que a intenção era descobrir se Sandra havia sido contratada.
Numa outra ocasião, ele foi mais direto. O principal executivo de outra assessoria de imprensa contou à Folha que Pimenta Neves o procurou e insinuou que seus clientes poderiam ter problemas com "O Estado de S. Paulo" caso Sandra fosse trabalhar ali.
Num terceiro caso, ele ligou para o diretor de relações públicas de uma grande empresa que havia distribuído o currículo de Sandra a amigos. Recomendou ao relações públicas que não se envolvesse no problema pessoal.
Os episódios mais emblemáticos da perseguição ocorreram dentro da redação do jornal. Pimenta Neves demitiu um repórter amigo de Sandra e censurou reportagens sobre a TV Globo.
O motivo era a suspeita de que jornalistas da emissora estariam auxiliando a ex-namorada na busca de um emprego. Pimenta Neves impediu, por exemplo, que o jornal publicasse reportagem sobre a estréia da minissérie "Aquarela do Brasil".
Mas ele não estava sozinho nos ataques à ex-namorada. Ex-colegas, que se sentiam prejudicados ou invejavam a ascensão profissional da jornalista, também procuraram amigos para que ela não conseguisse trabalho.

Namoro e ascensão
O relacionamento entre os dois sempre foi muito desigual. Ele era 31 anos mais velho, famoso, culto, refinado e dividia sua privacidade com poucos amigos.
Sandra vinha de uma família simples, era bem-humorada e ambiciosa. Até conhecer Pimenta Neves, achava que a sua capacidade era subestimada e estava desanimada com o trabalho.
Eles se conheceram em setembro de 1995, quando Pimenta Neves assumiu a direção do jornal "Gazeta Mercantil" depois de 21 anos vivendo nos EUA.
O flerte começou em fevereiro de 1996, durante o aniversário de Pimenta Neves. Sandra era repórter e o novo diretor de redação viu nela qualidades profissionais que ninguém mais enxergava.
Em depoimento à polícia, Pimenta Neves disse que foi Sandra que se aproximou dele. Ex-colegas dizem que foi o contrário. Sandra estava muito entusiasmada com o assédio do chefe e perguntando a amigas se o achavam velho demais para ela.
No começo de 1996, ele viajou ao Uruguai com a cúpula da "Gazeta" e levou Sandra. Ainda não namoravam, mas foi nessa viagem que a repórter ganhou o primeiro presente do chefe, uma blusa de lã.
Depois que começaram a namorar, ele passou a repetir que havia descoberto a melhor repórter de economia do país.
Sandra, que até então não tinha atuação de destaque, passou a ser beneficiada profissionalmente pelo relacionamento. Logo no início do namoro, Pimenta Neves avisou aos chefes de Sandra que, dali por diante, ela só receberia ordens dele. Dizia que o seu talento estava sendo mal aproveitado e a promoveu de repórter a editora.
O jornalista usava a ascensão da namorada, inclusive, como exemplo do que considerava falta de visão profissional de seus antecessores na direção da "Gazeta Mercantil".
De acordo com ex-colegas de redação, Sandra usou o poder para perseguir desafetos.
Gostava de reafirmar a sua intimidade com o diretor. Na frente de colegas, dizia a Pimenta Neves coisas que não seria habitual comentar com um chefe -que ele estava mal-vestido ou muito gordo, por exemplo.
Foi nesse período, em 1997, que ocorreu o primeiro desentendimento. Com ciúmes, ele destacou um motorista do jornal para seguir a namorada. Em uma ocasião, durante uma viagem para o litoral paulista, ela desconfiou. Parou o carro, interrogou o motorista e descobriu a vigilância.
Assustada, rompeu o namoro. Pimenta Neves a remanejou para um cargo com muito menos destaque. Sandra entrou em férias. Desesperado, ele chegou a perguntar a pessoas próximas a ela o que fazer para reconquistá-la.
Eles reataram, Sandra foi promovida mais uma vez e virou coordenadora de cadernos -o terceiro posto mais importante na hierarquia da redação.
Era a primeira de uma série de idas-e-voltas no relacionamento amoroso. A montanha-russa do namoro virou chacota entre os colegas. Vários jornalistas que tiveram problemas com Sandra foram demitidos.
Pimenta Neves trocou a "Gazeta" por "O Estado" em 1998. Meses depois de assumir, contratou Sandra como repórter especial. No começo deste ano, foi promovida a editora de Economia.

Viagem ao Equador
No início de maio deste ano, Sandra foi ao Equador para investigar a situação financeira da Ecuatoriana de Aviación, a companhia aérea do Equador controlada pela Vasp.
Durante a apuração da reportagem, ela conheceu Jaime Montilla, um dos donos do jornal "Hoy", de Quito. Fizeram um acordo: ela lhe passava informações sobre a situação da Vasp e, em troca, recebia notícias sobre a Ecuatoriana.
No final de junho, Sandra ligou para um amigo que conhecia Montilla. No final da conversa, ela revelou que iria se encontrar com o empresário "em Miami ou Caracas, onde ele tem empresas".
Dias depois, Sandra relatou a pelo menos duas pessoas que foi chamada por Pimenta Neves em sua sala na direção do jornal. Ele a acusou de infidelidade. "Sei do Jaime", disse, segundo o relato que Sandra fez aos amigos.
Após o assassinato, Montilla divulgou uma nota confirmando que conhecia Sandra. Negou, porém, que tenha havido algum relacionamento além de amizade entre os dois.
A partir do episódio na sala da Pimenta Neves, Sandra passou ter certeza de que o jornalista estava bisbilhotando seu correio eletrônico e grampeando os telefones que costumava usar. Menos de dez dias depois desta discussão, Sandra foi demitida.
No exame demissional, ela disse pela primeira vez que havia sido demitida pelo fim do namoro. Oficialmente, foi assim que a direção do jornal soube do relacionamento amoroso.
Pimenta Neves tinha até então uma biografia invejável. Começou na "Última Hora", em 1958, depois foi para "O Estado" e, nos anos 60, trabalhou na Folha com Cláudio Abramo, a quem era muito ligado. Posteriormente, foi chefe de redação da "Folha da Tarde", diretor da revista "Visão" e assessor editorial da Editora Abril. Em 1974, mudou-se para Washington, como correspondente da Folha. Nos EUA, trabalhou ainda como correspondente da "Gazeta Mercantil" e "O Estado de S. Paulo".
Em 1986, assumiu o posto de conselheiro-sênior para assuntos públicos da vice-presidência da América Latina e do Caribe do Banco Mundial, de onde saiu para voltar ao Brasil.
O rompimento transformou a vida dos dois num inferno. Desde que foi demitida, no mês passado, Sandra não encontrou mais trabalho e alguns amigos se afastaram com medo de uma represália de Pimenta Neves.
Depois da invasão de seu apartamento, no último dia 5, a jornalista mudou completamente sua rotina. Passou dez dias protegida por um segurança particular, dava telefonemas da casa de uma vizinha e pedia a familiares que dormissem em seu apartamento.
Pimenta Neves ficou tão deprimido que pediu demissão. Alegou problemas de saúde e o estado de saúde da filha. O jornal não aceitou. Sugeriu que ele trabalhasse menos e se tratasse. Na última quarta-feira, "O Estado de S. Paulo" anunciou o afastamento de Pimenta Neves do cargo de direção de Redação.



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