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VIOLÊNCIA
Jornalista procurou chefes de jornais e de assessorias para impedir que a ex-namorada conseguisse emprego
Pimenta quis bloquear carreira de Sandra
DA REPORTAGEM LOCAL
O jornalista Antônio Marcos Pimenta Neves, que matou Sandra
Gomide com dois tiros no último
domingo, montou um cerco pessoal e profissional a sua ex-namorada após o fim do relacionamento. O então diretor de redação de
"O Estado de S. Paulo", Pimenta,
63, buscava evitar que Sandra, 32,
também jornalista e demitida por
ele, conseguisse novo emprego.
A uma amiga com quem jantou
alguns dias antes do crime, Pimenta Neves disse o seguinte:
"Enquanto ela (Sandra) não me
procurar, não reconhecer o que
fez e não reparar o erro, não terá
emprego neste país".
O erro de Sandra, na versão espalhada por Pimenta Neves, foi
ter aceitado suborno para distorcer o noticiário do jornal a favor
de uma empresa interessada na
compra da Vasp. Essa informação, que não foi confirmada, teria
sido a razão da demissão.
Na avaliação de amigos, no entanto, o que levou Pimenta Neves
a demitir, perseguir e finalmente
matar Sandra foi o rompimento
do namoro.
Sandra passou seus últimos dias
de vida achando que Pimenta Neves estava à beira do suicídio. Disse isso a pelo menos dois amigos
dias antes de ser assassinada.
Afirmava que semanas antes,
quando invadiu seu apartamento,
Pimenta Neves havia encostado
um revólver na cabeça como se
fosse se matar.
Além do fim do namoro, amigos do jornalista dizem que ele estava transtornado também com a
doença que acometeu uma de
suas filhas, que vive nos Estados
Unidos com a mãe -primeira
mulher de Pimenta Neves.
O jornalista está com prisão
temporária decretada por homicídio. Ele está internado numa clínica psiquiátrica em São Paulo,
para onde foi transferido na sexta-feira depois de receber alta do
hospital Albert Einstein.
Pimenta Neves passou quatro
dias internado depois de ter tentado suicídio ingerindo 70 comprimidos dos calmantes Lexotan e
Frontal.
Ao dar entrada no hospital, tinha no bolso as duas cápsulas de
balas calibre 38 usadas para matar
Sandra, em um haras em Ibiúna
(70 km de São Paulo).
Demissão
Pimenta Neves e Sandra namoraram durante três anos. Romperam e reataram várias vezes. No
final de junho, o relacionamento
terminou pela última vez.
Pimenta Neves estava convencido de que ela o havia trocado por
outro. Sandra, que era editora de
Economia, foi demitida.
A partir desse momento, Pimenta Neves começou uma campanha para acabar com a reputação da ex-namorada.
Em tese, não deveria ser difícil
para uma ex-editora de um grande jornal conseguir outro emprego. Mas não para Sandra. Pimenta
Neves procurou vários jornalistas
para evitar que fosse contratada.
A Folha conversou com sete
pessoas procuradas por ele para
falar da ex-namorada. São executivos que comandam grandes jornais e escritórios de assessoria de
imprensa.
Na maior parte dos casos, o jornalista telefonou por um motivo
qualquer como pretexto para falar mal de Sandra. Pimenta Neves
contava a versão sobre a Vasp e
dizia poder provar o procedimento antiético por meio de gravações
de conversas e cópias do correio
eletrônico da ex-namorada.
No começo de agosto, Sandra
procurou uma das maiores assessorias de imprensa de São Paulo
para pedir emprego. Dias depois,
Pimenta Neves telefonou para a
pessoa que a havia atendido.
Pediu uma lista completa dos
clientes do escritório e o nome
dos jornalistas que cuidavam dessas contas. O dono da empresa,
que naquele momento não entendeu o pedido, agora acredita que a
intenção era descobrir se Sandra
havia sido contratada.
Numa outra ocasião, ele foi
mais direto. O principal executivo
de outra assessoria de imprensa
contou à Folha que Pimenta Neves o procurou e insinuou que
seus clientes poderiam ter problemas com "O Estado de S. Paulo"
caso Sandra fosse trabalhar ali.
Num terceiro caso, ele ligou para o diretor de relações públicas
de uma grande empresa que havia
distribuído o currículo de Sandra
a amigos. Recomendou ao relações públicas que não se envolvesse no problema pessoal.
Os episódios mais emblemáticos da perseguição ocorreram
dentro da redação do jornal. Pimenta Neves demitiu um repórter amigo de Sandra e censurou
reportagens sobre a TV Globo.
O motivo era a suspeita de que
jornalistas da emissora estariam
auxiliando a ex-namorada na
busca de um emprego. Pimenta
Neves impediu, por exemplo, que
o jornal publicasse reportagem
sobre a estréia da minissérie
"Aquarela do Brasil".
Mas ele não estava sozinho nos
ataques à ex-namorada. Ex-colegas, que se sentiam prejudicados
ou invejavam a ascensão profissional da jornalista, também procuraram amigos para que ela não
conseguisse trabalho.
Namoro e ascensão
O relacionamento entre os dois
sempre foi muito desigual. Ele era
31 anos mais velho, famoso, culto,
refinado e dividia sua privacidade
com poucos amigos.
Sandra vinha de uma família
simples, era bem-humorada e
ambiciosa. Até conhecer Pimenta
Neves, achava que a sua capacidade era subestimada e estava desanimada com o trabalho.
Eles se conheceram em setembro de 1995, quando Pimenta Neves assumiu a direção do jornal
"Gazeta Mercantil" depois de 21
anos vivendo nos EUA.
O flerte começou em fevereiro
de 1996, durante o aniversário de
Pimenta Neves. Sandra era repórter e o novo diretor de redação viu
nela qualidades profissionais que
ninguém mais enxergava.
Em depoimento à polícia, Pimenta Neves disse que foi Sandra
que se aproximou dele. Ex-colegas dizem que foi o contrário.
Sandra estava muito entusiasmada com o assédio do chefe e perguntando a amigas se o achavam
velho demais para ela.
No começo de 1996, ele viajou
ao Uruguai com a cúpula da "Gazeta" e levou Sandra. Ainda não
namoravam, mas foi nessa viagem que a repórter ganhou o primeiro presente do chefe, uma blusa de lã.
Depois que começaram a namorar, ele passou a repetir que
havia descoberto a melhor repórter de economia do país.
Sandra, que até então não tinha
atuação de destaque, passou a ser
beneficiada profissionalmente
pelo relacionamento. Logo no início do namoro, Pimenta Neves
avisou aos chefes de Sandra que,
dali por diante, ela só receberia
ordens dele. Dizia que o seu talento estava sendo mal aproveitado e
a promoveu de repórter a editora.
O jornalista usava a ascensão da
namorada, inclusive, como exemplo do que considerava falta de visão profissional de seus antecessores na direção da "Gazeta Mercantil".
De acordo com ex-colegas de
redação, Sandra usou o poder para perseguir desafetos.
Gostava de reafirmar a sua intimidade com o diretor. Na frente
de colegas, dizia a Pimenta Neves
coisas que não seria habitual comentar com um chefe -que ele
estava mal-vestido ou muito gordo, por exemplo.
Foi nesse período, em 1997, que
ocorreu o primeiro desentendimento. Com ciúmes, ele destacou
um motorista do jornal para seguir a namorada. Em uma ocasião, durante uma viagem para o
litoral paulista, ela desconfiou.
Parou o carro, interrogou o motorista e descobriu a vigilância.
Assustada, rompeu o namoro.
Pimenta Neves a remanejou para
um cargo com muito menos destaque. Sandra entrou em férias.
Desesperado, ele chegou a perguntar a pessoas próximas a ela o
que fazer para reconquistá-la.
Eles reataram, Sandra foi promovida mais uma vez e virou
coordenadora de cadernos -o
terceiro posto mais importante na
hierarquia da redação.
Era a primeira de uma série de
idas-e-voltas no relacionamento
amoroso. A montanha-russa do
namoro virou chacota entre os
colegas. Vários jornalistas que tiveram problemas com Sandra foram demitidos.
Pimenta Neves trocou a "Gazeta" por "O Estado" em 1998. Meses depois de assumir, contratou
Sandra como repórter especial.
No começo deste ano, foi promovida a editora de Economia.
Viagem ao Equador
No início de maio deste ano,
Sandra foi ao Equador para investigar a situação financeira da
Ecuatoriana de Aviación, a companhia aérea do Equador controlada pela Vasp.
Durante a apuração da reportagem, ela conheceu Jaime Montilla, um dos donos do jornal
"Hoy", de Quito. Fizeram um
acordo: ela lhe passava informações sobre a situação da Vasp e,
em troca, recebia notícias sobre a
Ecuatoriana.
No final de junho, Sandra ligou
para um amigo que conhecia
Montilla. No final da conversa, ela
revelou que iria se encontrar com
o empresário "em Miami ou Caracas, onde ele tem empresas".
Dias depois, Sandra relatou a
pelo menos duas pessoas que foi
chamada por Pimenta Neves em
sua sala na direção do jornal. Ele a
acusou de infidelidade. "Sei do
Jaime", disse, segundo o relato
que Sandra fez aos amigos.
Após o assassinato, Montilla divulgou uma nota confirmando
que conhecia Sandra. Negou, porém, que tenha havido algum relacionamento além de amizade
entre os dois.
A partir do episódio na sala da
Pimenta Neves, Sandra passou ter
certeza de que o jornalista estava
bisbilhotando seu correio eletrônico e grampeando os telefones
que costumava usar. Menos de
dez dias depois desta discussão,
Sandra foi demitida.
No exame demissional, ela disse
pela primeira vez que havia sido
demitida pelo fim do namoro.
Oficialmente, foi assim que a direção do jornal soube do relacionamento amoroso.
Pimenta Neves tinha até então
uma biografia invejável. Começou na "Última Hora", em 1958,
depois foi para "O Estado" e, nos
anos 60, trabalhou na Folha com
Cláudio Abramo, a quem era
muito ligado. Posteriormente, foi
chefe de redação da "Folha da
Tarde", diretor da revista "Visão"
e assessor editorial da Editora
Abril. Em 1974, mudou-se para
Washington, como correspondente da Folha. Nos EUA, trabalhou ainda como correspondente
da "Gazeta Mercantil" e "O Estado de S. Paulo".
Em 1986, assumiu o posto de
conselheiro-sênior para assuntos
públicos da vice-presidência da
América Latina e do Caribe do
Banco Mundial, de onde saiu para
voltar ao Brasil.
O rompimento transformou a
vida dos dois num inferno. Desde
que foi demitida, no mês passado,
Sandra não encontrou mais trabalho e alguns amigos se afastaram com medo de uma represália
de Pimenta Neves.
Depois da invasão de seu apartamento, no último dia 5, a jornalista mudou completamente sua
rotina. Passou dez dias protegida
por um segurança particular, dava telefonemas da casa de uma vizinha e pedia a familiares que dormissem em seu apartamento.
Pimenta Neves ficou tão deprimido que pediu demissão. Alegou
problemas de saúde e o estado de
saúde da filha. O jornal não aceitou. Sugeriu que ele trabalhasse
menos e se tratasse. Na última
quarta-feira, "O Estado de S. Paulo" anunciou o afastamento de Pimenta Neves do cargo de direção
de Redação.
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