|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Menos severos, internatos resistem ao tempo
Não há números oficiais de escolas do tipo que ainda funcionam no país, mas algumas sobrevivem em SP e RS
MARIANNE PIEMONTE
DA REVISTA DA FOLHA
A tigela e a panela de pipoca
ainda estão em cima da bancada, esperando que alguma alma
caridosa resolva encarar a pia.
As camas estão relativamente
arrumadas, mas não é aconselhável olhar embaixo delas. No
IPod ligado a um alto-falante,
explode o som do grupo AC/
DC, invadindo corredor e quartos próximos. Na janela, o menino de cabelos encaracolados
e camisa xadrez, no melhor estilo grunge, espia o movimento
do pátio enquanto lustra o
trompete com flanela.
Pela descrição, dificilmente
se poderia adivinhar que o cenário é de um quarto de colégio
interno e que, sim, ainda existem internatos. Neste caso, o
Instituto de Educação Ivoti, a
60 km de Porto Alegre (RS), um
das raras instituições mistas do
gênero que sobrevivem no país.
Com algumas alterações, o
panorama se repete na ala feminina, que fica no final do corredor, mas separada por uma
portaria fechada. Ursos de pelúcia (muitos), laptops e telefones celulares estão na tomadas,
carregando, enquanto as garotas fazem o dever "de casa".
"Inimaginável", brada a
apresentadora Ana Maria Braga, 57, ex-aluna de um rigoroso
internato. Não é a única a se
surpreender. "Não sabia que
esse modelo ainda existia", espanta-se a educadora Maria
Angela Carneiro, professora de
políticas públicas de educação
da PUC-SP.
Existem, embora seja difícil
dizer quantos. O MEC (Ministério da Educação) diz não dispor de dados porque os ensinos
fundamental e médio cabem às
secretarias estaduais. Essas,
por sua vez, se dizem responsáveis unicamente pela educação
pública. Em levantamentos
parciais em alguns sindicatos, a
reportagem descobriu ao menos cinco internatos no Rio
Grande do Sul, quatro em São
Paulo e três (rurais) na Bahia.
Sempre no interior. Mais difícil
ainda é achar -após o construtivismo de Jean Piaget- educadores que não se oponham ao
conceito de colégio interno.
Nem tudo é ruim, contra-argumentam os diretores dessas
instituições. "Percebemos mais
iniciativa e liderança entre os
internos do que nos alunos externos", defende Ruben Goldmeyer, diretor do Ivoti, que ganhou nota 5,8 no Enem (Exame
Nacional do Ensino Médio).
Parceria
O diretor do Ivoti, que funciona como internato desde
1909, diz que não há como funcionar se a criança não estiver
de acordo em ir para o internato. "Nossa proposta é uma educação em parceria com a família", afirma Ruben Goldmeyer.
Não dá para dizer que Amanda Machado, 15, uma paranaense de Apucarana, estivesse
de acordo quando chegou ao
Ivoti. Filha única de pais separados, morou até os 12 anos
com o pai. No início da adolescência, mudou-se para a casa da
mãe, mas as brigas permanentes dificultavam a convivência.
"No começo, passei três meses
chorando sem parar; depois fiz
amigas e, quando vou para casa,
sinto falta delas", lembra. O
sentimento de rejeição também bateu forte. "Cheguei a
pensar que minha mãe não gostava de mim. Mudei de idéia depois de dois anos, de tanto vê-la
chorando na rodoviária."
No Ivoti, moram atualmente
cem meninas e 60 meninos.
Durante o dia, todas as atividades são mistas. Acorda-se às 6h,
há dois horários para estudo, e
a tarde é dedicada a atividades
como música, teatro, línguas
(alemão é obrigatório), esportes e eventuais passeios no "ficatório", o bosque cheio de
banquinhos em que os "ficantes" fazem encontros discretos.
A mensalidade, de R$ 1.000, inclui moradia, alimentação, escola e atividades extras.
Apesar da "releitura" pela
qual passaram os internatos,
ainda há colégios que preferem
um comportamento à moda
antiga, como o Instituto São
Pedro de Alcântara (sem nota
no Enem), em Petrópolis (60
km do Rio).
"Não existe adolescente que
chegue aqui por vontade própria. O ideal é que fossem criados pela família, mas, se for para evitar um mal maior, como
drogas e homossexualismo, o
colégio é um mal menor", acredita o professor Lincoln da Silva Costa, 61, há 30 anos diretor
da instituição. Uma multidão,
certamente, vai discordar.
Texto Anterior: Internet: Orkut alerta os usuários contra conteúdo ilegal Próximo Texto: Experiências: "O colégio que eu cursei virou museu" Índice
|