São Paulo, domingo, 27 de agosto de 2006

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Menos severos, internatos resistem ao tempo

Não há números oficiais de escolas do tipo que ainda funcionam no país, mas algumas sobrevivem em SP e RS

MARIANNE PIEMONTE
DA REVISTA DA FOLHA

A tigela e a panela de pipoca ainda estão em cima da bancada, esperando que alguma alma caridosa resolva encarar a pia. As camas estão relativamente arrumadas, mas não é aconselhável olhar embaixo delas. No IPod ligado a um alto-falante, explode o som do grupo AC/ DC, invadindo corredor e quartos próximos. Na janela, o menino de cabelos encaracolados e camisa xadrez, no melhor estilo grunge, espia o movimento do pátio enquanto lustra o trompete com flanela.
Pela descrição, dificilmente se poderia adivinhar que o cenário é de um quarto de colégio interno e que, sim, ainda existem internatos. Neste caso, o Instituto de Educação Ivoti, a 60 km de Porto Alegre (RS), um das raras instituições mistas do gênero que sobrevivem no país.
Com algumas alterações, o panorama se repete na ala feminina, que fica no final do corredor, mas separada por uma portaria fechada. Ursos de pelúcia (muitos), laptops e telefones celulares estão na tomadas, carregando, enquanto as garotas fazem o dever "de casa".
"Inimaginável", brada a apresentadora Ana Maria Braga, 57, ex-aluna de um rigoroso internato. Não é a única a se surpreender. "Não sabia que esse modelo ainda existia", espanta-se a educadora Maria Angela Carneiro, professora de políticas públicas de educação da PUC-SP.
Existem, embora seja difícil dizer quantos. O MEC (Ministério da Educação) diz não dispor de dados porque os ensinos fundamental e médio cabem às secretarias estaduais. Essas, por sua vez, se dizem responsáveis unicamente pela educação pública. Em levantamentos parciais em alguns sindicatos, a reportagem descobriu ao menos cinco internatos no Rio Grande do Sul, quatro em São Paulo e três (rurais) na Bahia. Sempre no interior. Mais difícil ainda é achar -após o construtivismo de Jean Piaget- educadores que não se oponham ao conceito de colégio interno.
Nem tudo é ruim, contra-argumentam os diretores dessas instituições. "Percebemos mais iniciativa e liderança entre os internos do que nos alunos externos", defende Ruben Goldmeyer, diretor do Ivoti, que ganhou nota 5,8 no Enem (Exame Nacional do Ensino Médio).

Parceria
O diretor do Ivoti, que funciona como internato desde 1909, diz que não há como funcionar se a criança não estiver de acordo em ir para o internato. "Nossa proposta é uma educação em parceria com a família", afirma Ruben Goldmeyer.
Não dá para dizer que Amanda Machado, 15, uma paranaense de Apucarana, estivesse de acordo quando chegou ao Ivoti. Filha única de pais separados, morou até os 12 anos com o pai. No início da adolescência, mudou-se para a casa da mãe, mas as brigas permanentes dificultavam a convivência. "No começo, passei três meses chorando sem parar; depois fiz amigas e, quando vou para casa, sinto falta delas", lembra. O sentimento de rejeição também bateu forte. "Cheguei a pensar que minha mãe não gostava de mim. Mudei de idéia depois de dois anos, de tanto vê-la chorando na rodoviária."
No Ivoti, moram atualmente cem meninas e 60 meninos. Durante o dia, todas as atividades são mistas. Acorda-se às 6h, há dois horários para estudo, e a tarde é dedicada a atividades como música, teatro, línguas (alemão é obrigatório), esportes e eventuais passeios no "ficatório", o bosque cheio de banquinhos em que os "ficantes" fazem encontros discretos. A mensalidade, de R$ 1.000, inclui moradia, alimentação, escola e atividades extras.
Apesar da "releitura" pela qual passaram os internatos, ainda há colégios que preferem um comportamento à moda antiga, como o Instituto São Pedro de Alcântara (sem nota no Enem), em Petrópolis (60 km do Rio).
"Não existe adolescente que chegue aqui por vontade própria. O ideal é que fossem criados pela família, mas, se for para evitar um mal maior, como drogas e homossexualismo, o colégio é um mal menor", acredita o professor Lincoln da Silva Costa, 61, há 30 anos diretor da instituição. Uma multidão, certamente, vai discordar.


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