|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ANÁLISE
Os dilemas da atividade policial
CLAUDIO BEATO
ESPECIAL PARA A FOLHA
O Secretário da Segurança de
São Paulo tocou em ponto nevrálgico da estrutura das polícias brasileiras: sua ineficiência
no controle da criminalidade.
Não obstante os importantes
resultados no controle de crimes alcançados em alguns Estados, tais como os homicídios
em São Paulo ou os crimes violentos contra o patrimônio em
Minas, os números ainda são tímidos se considerarmos a magnitude dos problemas no Brasil.
Seria ingenuidade relegar
apenas à polícia esta tarefa.
Contudo, temos um problema
gerencial que merece discussão.
Não por acaso, de 50% a 80% de
policiais (civis, militares e guardas-civis) indicam a necessidade de mudança do modelo de
polícia, segundo pesquisa divulgada pela Senasp. Daí que o tema da reforma das polícias surja recorrentemente na pauta de
gestores e de especialistas.
O maior problema, sem dúvida, é a duplicidade organizacional das polícias, que as leva a serem, nas palavras de Marcos
Rolim e Luiz Eduardo Soares,
"polícias pela metade", frequentemente assumindo prerrogativas da outra e em eterno
conflito latente.
Outra pesquisa, coordenada
pelo carioca Michel Misse em
vários Estados, apontou tema
igualmente crucial: o inquérito
policial. Só de 15% a 20% dos inquéritos de homicídios são solucionados nesses Estados. Nos
casos de crimes contra o patrimônio, é provável que o resultado seja inferior a dois dígitos. E
um dos motivos mais relevantes tem a ver com a forma como
é desenvolvido o inquérito, no
qual o formalismo passa a ser
mais importante que a investigação propriamente dita.
Mas este é um verdadeiro
dogma no interior das polícias
civis. Trata-se de uma peça do
século 19 que pretende enfrentar problemas do século 21. Foi
criada em 1871 e ainda é usada
para enfrentar a complexidade
dos problemas contemporâneos, de terrorismo cibernético
a redes criminosas internacionais. É um traço genético resiliente que marca nossa estrutura de polícia, mas que poderia
ser concebida de forma distinta.
Em muito países, o que temos
são investigações conduzidas,
por exemplo, por Ministério
Público ou juízes, que se encarregam dos procedimentos jurídicos formais e de salvaguarda
dos direitos dos investigados, liberando os bons policiais para
sua atividade fim. Além disso,
temos a duplicidade de procedimentos, que leva vários juristas
a se questionarem da racionalidade deste processo.
Mas seria injusto atribuir
apenas ao inquérito todas as
mazelas. Daí a necessidade de
uma ampla reforma, inclusive
no plano legislativo, que atinja
de forma profunda nosso processo penal. O labirinto no qual
reside a impunidade brasileira
encontra expressão nas dezenas, talvez centenas, de subterfúgios ali existentes. Mas não se
pode negligenciar a necessidade de microrreformas gerenciais que busquem conferir
mais centralidade às bases territoriais, bem como o desenvolvimento de uma base mais técnica para as investigações.
CLAUDIO BEATO é coordenador do Centro de Estudos em Criminalidade e Segurança Pública, da UFMG
Texto Anterior: Secretário afirma que Polícia Civil é "inepta e letárgica" Próximo Texto: Arrastão na Lapa termina com três suspeitos mortos Índice
|