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RIO
Beth Gorda é atingida na cabeça por três tiros; 44 dos 72 meninos e meninas de rua que escaparam da chacina já foram mortos
Sobrevivente da Candelária é assassinada
FERNANDA DA ESCÓSSIA
SERGIO TORRES
DA SUCURSAL DO RIO
Sobrevivente da chacina da
Candelária, ocorrida há sete anos,
a faxineira Elizabeth Cristina de
Oliveira Maia foi morta ontem de
madrugada por três tiros que lhe
atingiram a cabeça.
Elizabeth, a Beth Gorda, liderava os menores de rua que moravam nas proximidades da igreja
da Candelária (centro do Rio)
quando, na madrugada de 23 de
julho de 1993, oito deles foram
chacinados por quatro PMs.
A morte de Beth Gorda eleva
para 44 o número de sobreviventes da chacina da Candelária que
acabaram mortos de maneira violenta nos anos posteriores. De
acordo com o inquérito do caso,
72 meninos e meninas de rua sobreviveram à matança.
O último sobrevivente morto foi
Sandro do Nascimento, o Mancha, que em 12 de junho manteve
oito reféns em um ônibus da linha
174 parado na rua Jardim Botânico (zona sul). Ele acabou morto
pela PM depois de capturado.
Na ocasião, Beth Gorda disse
que vinha namorando Mancha,
com quem, de vez em quando,
dormia sob viadutos no Catumbi
(zona norte) e em Botafogo.
Família
Elizabeth foi morta em frente ao
cortiço onde morava com a avó,
dois filhos pequenos, uma prima
e um tio, na rua Arnaldo Quintela,
em Botafogo (zona sul do Rio).
Testemunhas disseram na 10ª
DP (Delegacia de Polícia) que
Beth Gorda foi morta por três
ocupantes de um Gol branco, que
fugiram em seguida ao crime.
Há dúvidas em torno da idade
de Beth Gorda. O registro policial
informa que ela tinha 26 anos. A
avó Elza Borges de Oliveira, 65,
afirmou à Folha que Beth Gorda
tinha 23 anos.
Tráfico
O delegado-titular da 10ª DP,
Eduardo Baptista, relacionou o
assassinato de Beth Gorda ao tráfico de drogas em Botafogo.
Segundo Baptista, a vítima vinha sendo investigada sob a suspeita de participar da venda de
maconha e cocaína no conjunto
habitacional Rajá, suposto reduto
de quadrilhas criminosas.
Para a polícia, o crime teria sido
praticado pelo traficante que lidera a venda de drogas no Rajá,
identificado pelo apelido Girafa.
A advogada Cristina Leonardo,
representante dos sobreviventes
da Candelária, disse que Beth
Gorda estava arrolada como testemunha no próximo julgamento
do caso, ainda sem data marcada.
Para Cristina Leonardo, há dúvidas sobre o envolvimento do
tráfico de drogas com a morte de
Beth Gorda.
"Para a polícia, o mais fácil é
sempre atribuir a morte ao tráfico. Queremos acompanhar a investigação minuciosamente", disse Cristina Leonardo.
A advogada afirmou que até hoje nunca foram esclarecidas as
duas tentativas de homicídios sofridas por Wagner dos Santos, sobrevivente da chacina que está radicado na Suíça.
Nervosa
A avó disse que Beth Gorda vinha trabalhando como faxineira
em residências do bairro.
A neta era, segundo Elza, "muito nervosa" e "dava muita preocupação", pois não se relacionava
"bem com os maridos".
"Ela não falava nada da vida
particular. Era uma garota muito
nervosa, até mesmo por causa da
situação da Candelária", afirmou
a avó de Beth Gorda. Vitimada
por um derrame, ela está impossibilitada de trabalhar.
Caberá a Elza cuidar de dois dos
três filhos deixados por Beth Gorda: Vítor, 5, e Rômulo, 3. O caçula,
João Pedro, 1, está sendo criado
em um internato.
"Beth sempre ajudava a gente
com um dinheirinho, para alimentar as crianças. Agora, eu não
sei como vai ser. Sou doente, não
posso mais pegar no pesado. O
meu cunhado é velho, também
não trabalha", disse a avó.
O enterro está marcado para o
cemitério São João Batista, em
Botafogo, às 9h de hoje.
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