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LETRAS JURÍDICAS
O que fazer com nossos doentes mentais?
WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA
O provérbio segundo o
qual "de médico e de louco
cada um tem um pouco" tem um
suporte estatístico: o número de
loucos e de médicos aumenta
sempre mais. Doentes mentais
para o Direito não são apenas
aqueles que transformaram a palavra "Juqueri" em sinônimo de
manicômio no regionalismo paulista. São todos os que fazem jus
ao tratamento de saúde mental
ou à isenção de penas criminais
em certos casos.
O assunto é atual porque, desde
o fim de julho último, está em vigor a lei nº 10.708. Chamada de
"lei da volta para casa", criou o
auxílio-reabilitação para que
pessoas internadas em hospitais
ou unidades psiquiátricas continuem seu tratamento em família.
As insuficiências da rede de internação de tais pessoas levaram o
legislador a favorecer a saída do
paciente para a casa familiar. Livres dos inconvenientes da internação, os beneficiados farão jus
ao pagamento de R$ 240 por mês,
mediante acordo com instituição
financeira oficial. Haverá grande
economia para o poder público,
pois o custo da internação é muito mais oneroso. Se a gravidade
do mal impedir o paciente de
exercer, por si mesmo, os atos da
vida civil, o pagamento será feito
ao seu representante legal.
Embora o benefício valha apenas por um ano (pode ser renovado), a lei é ajustada à visão moderna do problema. O Código Civil de 1917 considerava absolutamente incapazes "os loucos de todo o gênero". O código de 2002, no
artigo 3º, cuida da incapacidade
absoluta, dos que, "por enfermidade ou deficiência mental, não
tiverem o necessário discernimento para prática dos atos de vida civil".
A relação do Direito com a deficiência mental é encarada pelo
Judiciário como essencialmente
pericial. A interdição não leva necessariamente ao hospício, salvo
se o demente for autor de crime
violento contra a pessoa. Quem,
por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto, na
ocasião do delito era inteiramente incapaz de entender o caráter
ilícito do fato será internado por
ordem do juiz, por tempo indeterminado. Poderá, contudo, ser desinternado com base na lei nº
10.708/03.
Domina na psiquiatria forense
a tese de que a internação deve
ocorrer em último caso, até pela
dificuldade de cumprir o Código
Penal: muitos estabelecimentos
onde o doente mental pode ser
tratado têm qualidade incompatível com a regra legal. As pessoas
sem recursos ou abandonadas
por suas famílias, afastadas do
convívio minimamente normal,
recolhidas em instituições mantidas pelo Estado, constituem o
maior número das vítimas da insuficiência. Os recursos são reduzidos, ou, pelo menos, insuficientes; os quadros de pessoal são incompletos e frequentemente despreparados para a missão apesar
do esforço de muitos abnegados.
Em país com evidente dificuldade no cumprir a missão preventiva e curativa da saúde das pessoas normais, é impossível pretender o tratamento de qualidade
para os deficientes mentais. Mesmo assim, a alternativa proposta
pela lei nº 10.708/03 pode ser boa
para a sociedade, ao fazer com
que o doente, não ameaçador da
integridade alheia, volte para casa graças ao subsídio criado, desde que aliado a remédios e a tratamentos gratuitos.
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