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São Paulo, sábado, 27 de setembro de 2003

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LETRAS JURÍDICAS

O que fazer com nossos doentes mentais?

WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA

O provérbio segundo o qual "de médico e de louco cada um tem um pouco" tem um suporte estatístico: o número de loucos e de médicos aumenta sempre mais. Doentes mentais para o Direito não são apenas aqueles que transformaram a palavra "Juqueri" em sinônimo de manicômio no regionalismo paulista. São todos os que fazem jus ao tratamento de saúde mental ou à isenção de penas criminais em certos casos.
O assunto é atual porque, desde o fim de julho último, está em vigor a lei nº 10.708. Chamada de "lei da volta para casa", criou o auxílio-reabilitação para que pessoas internadas em hospitais ou unidades psiquiátricas continuem seu tratamento em família. As insuficiências da rede de internação de tais pessoas levaram o legislador a favorecer a saída do paciente para a casa familiar. Livres dos inconvenientes da internação, os beneficiados farão jus ao pagamento de R$ 240 por mês, mediante acordo com instituição financeira oficial. Haverá grande economia para o poder público, pois o custo da internação é muito mais oneroso. Se a gravidade do mal impedir o paciente de exercer, por si mesmo, os atos da vida civil, o pagamento será feito ao seu representante legal.
Embora o benefício valha apenas por um ano (pode ser renovado), a lei é ajustada à visão moderna do problema. O Código Civil de 1917 considerava absolutamente incapazes "os loucos de todo o gênero". O código de 2002, no artigo 3º, cuida da incapacidade absoluta, dos que, "por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para prática dos atos de vida civil".
A relação do Direito com a deficiência mental é encarada pelo Judiciário como essencialmente pericial. A interdição não leva necessariamente ao hospício, salvo se o demente for autor de crime violento contra a pessoa. Quem, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto, na ocasião do delito era inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato será internado por ordem do juiz, por tempo indeterminado. Poderá, contudo, ser desinternado com base na lei nº 10.708/03.
Domina na psiquiatria forense a tese de que a internação deve ocorrer em último caso, até pela dificuldade de cumprir o Código Penal: muitos estabelecimentos onde o doente mental pode ser tratado têm qualidade incompatível com a regra legal. As pessoas sem recursos ou abandonadas por suas famílias, afastadas do convívio minimamente normal, recolhidas em instituições mantidas pelo Estado, constituem o maior número das vítimas da insuficiência. Os recursos são reduzidos, ou, pelo menos, insuficientes; os quadros de pessoal são incompletos e frequentemente despreparados para a missão apesar do esforço de muitos abnegados.
Em país com evidente dificuldade no cumprir a missão preventiva e curativa da saúde das pessoas normais, é impossível pretender o tratamento de qualidade para os deficientes mentais. Mesmo assim, a alternativa proposta pela lei nº 10.708/03 pode ser boa para a sociedade, ao fazer com que o doente, não ameaçador da integridade alheia, volte para casa graças ao subsídio criado, desde que aliado a remédios e a tratamentos gratuitos.


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